Fazendo um vínculo com o tema do Natal, o que gostaria de expor aqui é como nós cristãos, como “sal da terra”, temos o privilégio de cristianizar a cultura de nosso tempo, e que o chamado para “viver para Jesus” nem sempre exige uma fuga deste mundo. Não ter equilíbrio nesse caso, é que pode nos conduzir a grandes excessos.
As Neuroses
Gostaria de usar aqui o termo cunhado por Adriano Chagas, “neurose evangélica”, para expor essa fragilidade espiritual de muitos crentes, que vendo-se cercados pela “maldade deste mundo” e ansiosos diante do chamado à santidade, passam grande quantidade de seu tempo na elaboração de longas listas de proibições: Não se pode comemorar o Natal pela associação a um deus sol; não se pode dar presentes nem armar uma árvore por que existe uma associação a Papai Noel e a certo São Nicolau; não se pode comemorar a Páscoa porque tem relações diretas com as práticas culturais do extremo oriente; não se pode comemorar dia dos pais, das mães ou das crianças, pois promovem exploração comercial e consumismo; não se pode celebrar a chegada do novo ano porque isso vem de práticas pagãs dos povos antigos e se acha ligado a um calendário criado pelo catolicismo; não se pode cantar “Parabéns a Você” nem cantar “Rá-Ti-Bum!”, pois essas palavras em dialetos antigos (que ninguém ainda soube especificar qual) significa que estamos amaldiçoando os aniversariantes; nunca se deve comprar fraldas Pampers, nem usar artigos da marca Hello Kitty, pois estão ligadas a satanistas e é uma saudação ao demônio; assistir desenhos da Disney, nunca, pois também promovemos satanismo; a TV deve ser proibida pois é a “caixa do diabo”; as músicas da Galinha Pintadinha são diabólicas e promoven adoração de entidades do candomblé; e a lista não tem fim. É caso patológico, de ordem emocional, creiam. Não sem razão, Adriano Chagas definiu isso como “neurose evangélica”.
E não sem razão, meu mestre Walvertrurdes, desde os dias do Seminário, já nos falava com ares de filósofo sobre a constatada verdade de que “Se existe um lugar para se encontrar mais desajustados que nos hospícios, esse lugar é na igreja.” E hoje, depois de anos em convivência com diversos tipos de crentes, e de eu mesmo ter confrontado e vencido diversos “demônios interiores” e muitos de meus medos infundados, vejo, mais do que nunca, que meu antigo mestre era deveras, um homem muito sábio. Só para se entender o que acabo de afirmar, sobre as “neuras” dos crentes, para alguns, a simples palavra “mestre” aplicada a meu professor, seria uma rebeldia à palavra de Cristo, que teria orientado para que a ninguém chamássemos de Mestre e Senhor em Mateus 23.
Mas voltando ao assunto do Natal, me atrevo a inquirir: Me digam, senhores, onde é possível encontrar neste vasto mundo de meu Deus, alguma prática ou costume dos povos que não esteja vinculado a algum elemento cultural religioso? E até mesmo aqueles costumes vistos pelos cristãos como edificadores da fé, mesmo não estando diretamente ligados à religiosidade em sua origem, mais tarde foram aglutinados por ela, e de algum modo, mesmo adotados pela fé cristã, estabeleceram algum vínculo com o mundanismo e secularismo. Só para se ter uma ideia, se todos os crentes, tão elegantes em seus ternos e gravatas nos cultos sabáticos e dominicais, soubessem da origem do uso da gravata, quem a criou e por que a criou, será que este elemento tão valorizado no meio eclesiástico também seria radicalmente amaldiçoado? E que dizer da aliança de casamento, que tem origem no hinduísmo e nos povos antigos como os egípcios, mas que antes de ser incorporada pelos romanos na cultura ocidental, e depois pela própria cristandade nas celebrações simbolizava, essencialmente, que a mulher era propriedade do homem que lhe dava o anel? Até mesmo a cerimônia do casamento em si, não tem origem na prática da igreja apostólica. E hoje, esse rito tão rico de sentido, já estabeleceu laços firmes com o secularismo e consumismo desde muito. Até mesmo o simples ato de celebrar aniversários, como um dia de gratidão a Deus, já tinha sua proibição nos dias iniciais da igreja, porque alguns crentes viam nisso uma associação pagã aos antigos costumes dos egípcios, que celebravam os anos de seus faraós e deuses. Todavia, hoje, a quase totalidade dos crentes se vale desse costume como uma ocasião para louvar a Deus e homenagear pessoas amadas. Alguns ficariam estupefatos ao descobrir que essa comemoração surgiu dentro de nossa cultura ocidental influenciado pela instituição do Natal, quando decidiram celebrar o aniversário de Jesus, a cada dezembro!
O que eu disse acima volto a afirmar: Como sal da terra, em diversas ocasiões, o crente poderá se valer da cultura como veículo de disseminação da fé, quando esta não subverte os valores do cristianismo, mas o promovem. Nesse caso, quando “despaganizamos” os povos e de certo modo “cristianizamos” seus costumes, isso não comprometeu em nada a fé entregue aos santos. É possível ver na cultura dita profana elementos que nas palavras de Assad Bechara, são como “janelas redentivas”, e por elas a luz pode passar. Vemos exemplos disso na própria Bíblia. Muitas das afirmações de Paulo em sua teologia estão associadas a práticas e costumes de fundo religioso de seu tempo. De modo específico, ao tratar do Natal, me lembra aquele texto de Atos 17:22-23, quando o mesmo Paulo se valeu de um altar pagão, dedicado ao “deus desconhecido”, nome que era possível de ser aplicado a qualquer divindade do vasto panteão dos atenienses, mas que naquele momento se tornou uma janela redentiva, um veículo da fé que ele, Paulo, anunciava. E ele mesmo disse: “Pois esse que adorais sem conhecer, é precisamente aquele que eu vos anuncio.” (Atos 17:23b).
Que a festividade do Natal esteja associada a antigas práticas culturais de fundo religioso é algo que não se pode negar. Mas o fato de que em dado momento a fé cristã tenha feito desse elemento uma “janela redentiva” não é algo contrário a Bíblia. Era como se os crentes, como Paulo aos atenienses, dissessem para as gentes: “Essa novidade que vocês buscam a cada dezembro, essa luz que traz vida, essa vida plena que desejam, é a Luz e o Sol que vos anunciamos, Jesus.” E no momento em que essas gentes abandonaram o deus sol, ou quaisquer outros deuses pagãos e se voltaram unicamente para Jesus, entendendo que Ele era a encarnação daquilo que eles, de modo tateante e nebuloso, conseguiam vislumbrar, ouso dizer que houve uma conversão de valores, uma “cristianização de um costume” e não como muitos afirmam, uma “paganização do cristianismo”.
Aliás, há a forma pagã e a forma cristã de celebrar o natal, a Páscoa, o ano novo, e até mesmo um casamento ou aniversário. O problema não é o dia, mas o modo como o celebramos. E podemos vivenciar datas especiais como a Páscoa e celebra-las dentro de nossa vivência cristã, sem medos. Precisamos descobrir a verdade de que em nosso chamado divino para a criação de uma nova visão de mundo, em muitos casos, uma força nos é dada para convergir os olhos de todos para Jesus.
Assim, também o Natal. Está em nós mesmos o poder de fazê-lo como um elemento que promova os valores cristãos, ou, por outro lado, podemos celebrar os valores do deus Sol ou do secularismo. Aliás, me pergunto: quem hoje celebra isso? Eu, pelo menos, nunca vi ninguém celebrando o deus sol nesse dia. Quando me misturo com os crentes que conheço, vejo pessoas falando de Jesus, participando de recitais, presenteando amigos e ceando juntos! Que elemento pagão há nisso? Se existiu um traço pagão relacionado a essa data, penso que já desapareceu há muito tempo, eclipsado pelos raios fulgurantes do Sol divino, de Cristo.
Concluindo
Não se pode negar que a celebração cristã do Natal seja essencialmente cristã. Deus se fez carne. Teve seus dias marcados nesse mundo. Aniversariou. Celebrou momentos alegres com seus parentes e amigos. Celebrar isso não é condenável. O que podemos condenar hoje é o foco materialista presente na maioria dos casos. Por isso, quando por exemplo, a IASD aconselha a montar uma árvore no ambiente de reunião e a convidar os cristãos a depositar aos pés da árvore um presente em forma de oferta para a obra de Deus, é para conduzir os olhos dos fiéis para a gratidão a Jesus.
O que disso passar, vem pelo excesso da criatividade ou pela neurose extrema de muitos crentes.
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