Maria Cecilia descreve a dor de sua família e de amigos com a perda de Roberto Laudisio, morto por policiais na Austrália
"Há muita controvérsia. Como posso me posicionar sobre um fato que ainda está sendo apurado? Todas as dúvidas que você tem sobre o caso são as mesmas que as minhas. Só que você as tem como jornalista. Eu, como tia", disse por telefone ao iG. "A única coisa que sei é que a vida dele não seguiu o curso natural das coisas. Nunca se espera mandar um filho para um país e vê-lo retornando num caixão", disse indicando a proximidade de sua relação com o sobrinho.
Com três irmãs, Laudisio foi criado por elas depois de ficar órfão de pai e mãe. "O pai morreu de linfoma quando ele tinha uns 6 anos, e a mãe de leucemia quando ele tinha 10", contou Maria Cecilia, que vivia no mesmo prédio do sobrinho. "Ele era um menino incrível, doce. Todos os seus professores, do primário à universidade, me ligam para dizer o quanto ele vai fazer falta. Eles choram, choram."
Com 21 anos, o paulistano pediu transferência no ano passado da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), onde estudava desde 2009, para o curso de administração de empresas da PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica) para ficar perto de um de seus primos.
Trancou o curso para ir há em julho à Austrália, onde estudava inglês em uma escola da Bondi Junction, um bairro no sul da cidade, e planejava tentar uma universidade. "Amou a Austrália", contou Maria Cecilia, para quem a justificativa seria o fato de estar perto da irmã e o cunhado que moram na cidade. "É o amor de irmã, né?"
Os planos foram interrompidos por volta das 5h30 do domingo 18 de março, quando Laudisio foi perseguido e atacado com gás de pimenta e arma de eletrochoque pela polícia de Sydney. De acordo com informações preliminares, a polícia tentou prendê-lo por identificá-lo com um suspeito de roubar um pacote de biscoitos de uma loja de conveniência momentos antes.
Imagens de vídeo divulgadas na segunda-feira mostram um jovem sendo perseguido na rua Pitt por seis policiais, que tentaram imobilizá-lo com a arma de eletrochoque Taser. Testemunhas indicaram que a vítima não tinha nada nas mãos e estava desarmada. Também há informações de que o taser foi usado até quatro vezes contra ele, sendo três quando estava caído no chão.
"Ele foi confundido. E, para mim, o vídeo mostra ele. Era um menino que estava assustado, que correu de medo", afirmou Maria Cecilia. De acordo com a professora da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Laudisio havia sido deixado na rua para pegar o metrô após amigos terem lhe dado uma carona de táxi até o local.
Citado pela BBC, o tio de Roberto, o empresário João Eduardo Laudísio, que chegou a Sydney na noite de terça-feira, disse não acreditar que o sobrinho tenha entrado na loja para roubar um pacote de biscoitos, já que tinha dinheiro suficiente e tinha uma conduta exemplar.
Foto: EFE
Polícia australiana faz perícia no local da morte do brasileiro (18/3)
Segundo os amigos, Beto, como era tratado pela família, era um rapaz alegre e extrovertido que jamais pegaria um pacote de biscoito sem pagar. Em protesto pela morte de Laudisio, os amigos convocaram pelo Facebook um protesto para o próximo dia 30, em que deixarão pacotes de bolacha na frente do Consulado da Austrália em São Paulo.
O cônsul do Brasil em Sydney, André Costa, vem acompanhando as investigações e prestando auxílio à família do estudante, de acordo com a BBC. Segundo ele, a polícia de Sydney ainda está sem respostas para algumas dúvidas que cercam o caso. Entre elas o motivo de não terem sido divulgadas as gravações da câmera de segurança da loja de conveniência onde houve o suposto furto.
As imagens podem comprovar se Laudisio Curti teria realmente sido o responsável. Segundo relatos, a descrição do ladrão não corresponderia à de Roberto. "O suspeito seria cabeludo, alto e grande. Meu Roberto tinha 1,73 metro, era mirrado, tinha cabelo curto", relatou Maria Cecilia.
A professora conta que a família está sendo bem auxiliada pelo Itamaraty, mas não recebeu ainda nenhuma declaração oficial aqui no Brasil do governo da Austrália. Em Sydney, a polícia disse que não se manifestará enquanto o caso estiver sob investigação. Um ouvidor do governo de Nova Gales do Sul, Estado australiano cuja capital é Sydney, vai acompanhar a investigação sobre a morte.
A morte do brasileiro levantou um debate sobre armas de eletrochoque na Austrália, usadas pela polícia 826 vezes em 2011, de acordo com dados do governo. O país permite o uso do armamento para imobilizar suspeitos em incidentes nos quais a vida de policiais estiver em jogo ou quando “confrontação violenta ou resistência está acontecendo ou é iminente”.
Na noite de terça-feira, a família do brasileiro divulgou um comunicado sobre o caso: "Ainda estamos tentando entender a perda repentina e inesperada de nosso amado Roberto depois de sua morte trágica na manhã de domingo. Ele era um jovem muito amado por sua família e por seus amigos na Austrália e no Brasil e tinha um futuro promissor pela frente. Todos sentiremos saudades imensas dele."
No Facebook, amigos fizeram várias homenagens a Laudisio antes de a página ser excluída do site na tarde desta segunda-feira. Alguns postaram mensagens, enquanto outros o marcaram em fotos relebrando momentos bons compartilhados com o brasileiro. Em seu proprio mural, Jeanne Berringer, namorada do estudante, escreveu: "Meu amor, que saudades eternas terei de você. Um homem especial, amado por todos,vítima de uma cruel injustiça. Descanse em paz, eterno amor da minha vida."
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