Chega o momento no congresso em que o cantor se apresentará. Mal ele (ou ela, ou ainda, eles) sobe no palco e uma legião de teens se levanta. O séquito, munido de tablets, iphones e coisas do gênero, se avoluma em pé, em frente ao palco. Enquanto cantam junto a música, filmam a apresentação, que em poucos minutos será compartilhada por meio de canais no Youtube ou pelo Facebook.
O que está acontecendo? Tem-se a impressão, diante do quadro, que se está em um show secular. Sei que a crítica soará exagerada. Afinal, perguntarão alguns, que mal faria compartilhar músicas cristãs nas redes sociais? Talvez a atitude reflita um sinal da mudança dos tempos. A espiritualidade hoje ganha contornos de entretenimento e celebrização das pessoas usadas por Deus. Isso seria essencialmente negativo?
Temos de nos lembrar que o culto coletivo possui diversas expressões e ênfases. Entenda-se por culto coletivo um agrupamento de pessoas de determinada confissão religiosa, reunidas para expressar publicamente sua fé. Nas denominações cristãs, é comum a divergência na compreensão do culto – desde aspectos relacionados à liturgia, ao tipo de participação do adorador. Na igreja Adventista, o culto parte de uma reflexão bíblica, influenciado pelas orientações da escritora norte-americana Ellen G. White, tida como a voz profética do movimento. Assim, em todo culto, os adventistas entendem que há momentos para se vivenciar louvor, gratidão, instrução, contrição, comunhão e entrega. Esses e outros espectros constituem a adoração.
Torna-se arriscado no ato de adoração devotar atenção exagerada a qualquer pessoa que desempenhe uma função específica, seja no cerimonial, oração, música ou exposição da palavra. Dentro de uma perspectiva adventista, tratar músicos como celebridades midiáticas é substituir o espaço da adoração pelo do entretenimento, correndo-se ainda o risco de dar lugar a um exagero de devoção próximo à idolatria! Não é o caso de demonizarmos a gravação de cultos ou a admiração por músicos e músicas: essas coisas têm seu lugar legítimo. Porém, o modus operandi do ritual que se vê em camporis e congressos ultrapassa os limites aceitáveis.
De quem é a culpa? De músicos? Dos organizadores de eventos e retiros espirituais? Dos líderes da igreja em geral? É cômodo realizar uma caça às bruxas e acusar sem tentar orientar. Em primeiro lugar, creio que precisamos orientar os adolescentes a pelo menos serem discretos, ponderados e comedidos ao filmar algo que lhes agrade. Em segundo, tirar o enfoque das habilidades do artistas cristãos, enfatizando que a Deus cabe toda glória (uso o termo “artista” no sentido original, de alguém que produz ou apresenta algum tipo de arte, sem a intenção do soar pejorativo). É necessário igualmente evitar a formação de uma mídia cristã alternativa, pautada pelo exibicionismo e voyerismo da mídia secular, o que poderia contribuir para o sentido de que há uma distância entre cantores famosos e o povo comum. Além do consequente desejo de tentar se aproximar do artista com histeria e comoção frenética.
Acima de tudo, precisamos escolher não os músicos populares, mas os comprometidos; não os que apresentam músicas questionáveis, resultado de hibridismo entre o sagrado e o secular, mas dar lugar a quem realmente quer louvar o Senhor e o tem feito em espírito e verdade, preocupações que hoje são escassas, mesmo entre nós, adventistas. Em contrapartida, enquanto medrar o raciocínio de que para o evento ter procura requer-se convidar “cantores consagrados” (nesse caso, consagrados por terem apelo midiático, não consagrados a Deus), a legião de adolescentes – e mesmo de marmanjos – continuará se levando para filmar seus artistas favoritos. Se nós tratarmos os músicos como celebridades, não devemos lamentar que se formem fãs ao seu redor…
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