quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Repensando a Antítese de Frei Beto: De Volta ao Tempo das Catedrais



Certa feita, Frei Beto estabeleceu o contraste entre a Catedral e os Shoppings Centers. Segundo ele, nos dias de antanho, a construção de uma Catedral era o maior quesito na elevação de status de uma cidade. Porém, hoje — assim considera o autor –,  na modernidade,  o maior item para a elevação da grandeza de uma cidade ocorre quando no erguimento de um Shopping Center.
O fato evidente na dita comparação é que em ambos há uma promessa de felicidade e de realização, divergindo apenas a ênfase acerca da fonte da mesma. No paradigma antigo, era da Catedral, de onde se buscava as verdadeiras riquezas, os bens da graça, na celebração da comunhão da família e da paz com Deus. Era da Divindade que se originava a alegria verdadeira que conduzia a um evidente ordenamento interior e à unidade da família. Assim, o maior programa da família na semana era quando todos se uniam, com a melhor roupa, família de mãos dadas, rumo à igreja, na busca de Deus e das riquezas eternas.
Entretanto, no paradigma moderno, a promessa de sucesso e realização vem do exterior, baseada na ideologia consumista, da ostentação e do materialismo presente nos Shoppings. Nessa concepção a felicidade se dá no ter, e não no ser. Por isso, para a família hodierna, em certo momento, o lazer substituiu a devoção, e no fim de semana, há mais presença nos Shoppings Centers que nas Catedrais. Enquanto os Shoppings lotavam, as igrejas se viam cada vez mais vazias. Para Frei Beto, O Shopping tomou o lugar da Catedral.
Porém, ouso afirmar que essa visão de Frei Beto já começa a ser questionável. Ocorre que nos dias de hoje, já saímos dessa antítese entre Catedrais e Shoppings para uma síntese. Digo isso porque na maioria dos movimentos cristãos (ou neo-cristãos) contemporâneos, a barreira dos contrastes entre o Shopping Center e as Catedrais ha muito foi quebrada. Basta olhar: Nos modernos templos tudo se torna, na verdade, uma política mercantilista entre o terreno e o celestial, travestido de verdadeira religião e autêntica espiritualidade. A sede material tem sufocado a sede espiritual. A reflexão e a contrição, a busca da santidade e da caridade foram substituídas pelo comércio profano de amuletos mágicos, objetos místicos e outros ingredientes que são vendidos aos fiéis, a fim de possibilitar apenas a realização dos desejos voltados para essa vida. O consumismo entrou na igreja. Vemos a falência da simplicidade e o retorno da suntuosidade. Nesses modernos templos aprendemos a ler a Palavra apenas a fim de encontrar as promessas. O entendimento da Escritura cedeu lugar ao pensamento positivo, e o pregador deu lugar aos gurus da auto-ajuda e taumaturgos carismáticos. Nos tempos de hoje, de fato, a Catedral (igreja) se torna o Shopping Center.
Também poderíamos considerar outro aspecto: se as chamadas “orações de poder”, as águas bentas e a ênfase excessiva na presença e ação dos demônios não trazem de repente à memória o período do obscurantismo medieval, o que revela, não um crescimento, mas um retrocesso do movimento cristão e um claro afastamento das verdades proclamadas pelos Pais da Reforma, que condenaram em seus dias a diversidade de superstições e buscaram estabelecer um “culto racional” para os fiéis. Bem poderia aqui se aplicar as sábias palavras ditas em certo momento por um colega Pastor: “O conhecimento sem devoção leva ao legalismo; porém, uma devoção sem conhecimento fatalmente nos conduzirá ao misticismo”.
Podemos assim, conjecturar se haveria alguma distância entre a nossa realidade e aquela dos dias de Jesus, quando Ele mesmo erradicou de Seu Templo, o comércio profano realizado em nome de Deus (Jo 2:13-16). Se Ele entrasse na maioria desses templos na atualidade, Sua reação seria diferente?
Penso que esse fenômeno de crescimento do neo-evangelicalismo, todavia, é por um lado, uma chamada de Deus ao despertamento. Devemos, como os Pais da Reforma, denunciar o erro e por meio de nosso exemplo e devoção reabrir o caminho da veredas antigas, das verdadeiras fontes que saciam a sede interior do coração. Há uma chamada para a presença de homens comprometidos com a verdade do evangelho e estejam dispostos a dar à trombeta o sonido correto.
Por outro lado, revela-nos claramente um desafio: que o presente momento nos pede um crescimento ordenado, com foco nas Escrituras, e de uma restauração do verdadeiro culto para Deus. Pois, o que vemos é que esse crescimento desordenado do neo-evangelicalismo tem levado em muitos casos, a uma descrença do mundo na verdadeira grandeza da Igreja de Cristo. Digo isso porque é justamente nesse momento histórico que se tem percebido um sem-número de escândalos envolvendo os líderes cristãos dos novos tempos, o que tem comprovado uma antiga mas séria desconfiança daqueles que viviam à margem do cristianismo institucionalizado, a igreja. A saber: Que de fato, a religiosidade cristã, tão grandiosa em sua proposta, pode cair ela mesma na armadilha do cinismo e se tornar também um produto comum, produzido sob a medida dos gostos e para os fins egoístas do próprio homem. Para fugir da armadilha da vaidade humana, penso que a saída segura ainda é um claro retorno à Bíblia.
Todavia, contrário a tudo isso, ainda creio como João. Quando presenciava as angústias e apostasias do povo de Deus em suas visões apocalípticas  destacou a esperança de um remanescente para os dias do fim: Ele viu “a perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e têm a fé de Jesus” (Ap 14:12). E ainda creio como Pedro, que à porta Formosa do Templo (At 3:1ss) nos ensinou uma profunda verdade: Que não são a prata e ouro as verdadeiras riquezas da Igreja, nem mesmo essa é a real necessidade do homem, mas sim o próprio Jesus Cristo, presente na comunidade e atento ás carências de Seu povo. Fugir a esta realidade é também fugir à essência de nossa missão, de nosso propósito como igreja e uma negação do próprio evangelho, que é o anúncio sobre o seguimento de Jesus Cristo.
Nesse tempo de crise, somos chamados a promover um retorno às Escrituras e (compreendendo a força do símbolo), um regresso ao tempo das Catedrais.

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