Vírus sempre associado à mulher pode causar câncer de pênis
Em 1948, o pesquisador Alfred Kinsey abalou os Estados Unidos ao lançar o livro "O Comportamento Sexual do Homem", resultado de pesquisa que mostrou que perto de 10% dos homens no país que se relacionavam sexualmente com mulheres tinham tido experiências sexuais com outros homens.
Agora, 60 anos depois, o epidemiologista Alan Nyitray, do Centro de Câncer H. Lee Moffitt, em Tampa, na Flórida, realiza pesquisa na qual investiga o comportamento sexual de homens para entender como o HPV afeta a população masculina.
Embora seja comumente associado às mulheres – causador de câncer do colo do útero –, a infecção pelo papilomavírus humano pode causar câncer de pênis e câncer anal em homens.
Foi o aumento nas taxas de incidência do câncer anal entre homens e mulheres, e a diminuição no número de câncer cervical – causada provavelmente pelo surgimento da vacina contra o HPV – que levou Moffitt a realizar o estudo. O trabalho envolveu 4,2 mil homens nas cidades de Tampa, Cuernavaca (México) e São Paulo, recrutados em diversos meios, como universidades e quartéis militares.
A pesquisa comparou a infecção pelo vírus entre homens que fazem sexo com mulheres (HSM) e homens que se relacionam sexualmente com homens (HSH).
“A maior parte das pesquisas são sobre a distribuição do HPV entre HSM, mas não tem havido muitos trabalhos envolvendo o papilomavírus entre os HSH”, disse Nyitray à Agência FAPESP. O epidemiologista esteve no Rio de Janeiro em abril, para participar do Simpósio Internacional de Pesquisa em HPV, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz.
No estudo não foram usadas as categorias “homem heterossexual” ou “homossexual”. “Não recrutamos voluntários com base em seus comportamentos sexuais. Perguntamos se eles tiveram sexo penetrativo, oral, anal ou vaginal, se mantêm relações sexuais com mulheres ou homens, se essas relações eram recentes ou passadas. Preferimos não usar ‘hetero’ ou ‘homossexual’ porque não pedimos a eles para se rotularem, mesmo porque o conceito de homossexualidade varia culturalmente e de entre países”, disse Nyitray.
Em um resultado bem parecido com o obtido por Kinsey da década de 1940, 10% dos entrevistados afirmaram ter tido relações sexuais exclusivamente com homens ou com homens e mulheres.
“Em aproximadamente 12% dos HSM o HPV foi detectado no canal anal. Entre os HSH, o índice chegou a 48%, o que faz sentido, levando em conta o comportamento sexual dessa população, que apresenta maior número de parceiros. Mas mesmo assim tivemos 12% de ocorrência do HPV no canal anal de homens que fazem sexo exclusivamente com mulheres, o que nos causou surpresa”, disse o epidemiologista.
Desses 12%, metade apresentou o mesmo tipo do vírus no ânus e nos genitais. “Acreditamos na hipótese de inoculação. O HPV é muito infeccioso, facilmente transmitido. Talvez a transmissão tenha ocorrido entre as partes de seus corpos por meio de inoculação ou sua parceira pode estar passando o vírus por meio de secreções vaginais. Outros estudos também mostram o HPV na ponta dos dedos, então, nessas relações, a transmissão pode estar ocorrendo ao se passar a mão por essas partes do corpo”, disse.
O estudo apontou que, na comparação com homens de Tampa e de Cuernava, os de São Paulo se mostraram mais ativos sexualmente: o número médio de parceiras sexuais dos entrevistados HSM em São Paulo foi de 15 mulheres, contra cinco em Cuernava e sete em Tampa. E dois terços dos que afirmaram terem tido experiências sexuais com outros homens no passado também eram de São Paulo.
A infecção por HPV em homens é geralmente transitória e não gera implicações clínicas. No entanto, em alguns casos, a infecção persiste e há maior chance de se desenvolver câncer anal.
Entre os dois grupos, a maior persistência foi detectada entre os HSH. Em São Paulo, o estudo contou com a coordenação de Luisa Lina Villa, coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do HPV (INCT-HPV), que tem apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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