Conheça os principais motivos alegados pelos médicos – e entenda porque nem todos eles significam que a cesárea seja, de fato, a única opção
O Brasil é recordista mundial em número de cesarianas. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que 15% dos partos sejam feitos desta forma, na rede médica particular brasileira este número chega a 84%, segundo dado da Agência Nacional de Saúde. As razões são muitas: desde remuneração insuficiente por parte dos convênios aos médicos que fazem parto natural até o medo das dores do parto. No entanto, o parto normal tem várias vantagens, como recuperação mais rápida e menos dolorida da mãe, menor risco de infecções e hemorragias e menor risco de dificuldade respiratória no bebê. O mais importante é que a escolha seja feita pela principal personagem desta história: a mãe.
“Como donos da informação, muitos obstetras não admitem questionamentos”, diz a ginecologista e obstetra Melania Amorim. “É difícil argumentar quando não se tem essas informações. Afinal de contas, quem está dizendo isso é o médico em quem a mulher confia e que acompanhou todo o pré-natal”, completa a obstetra Andrea Campos.
Os argumentos listados abaixo são comumente ouvidos pelas gestantes, mas nem sempre significam que à mãe só resta a opção da cesárea. Use toda informação a seu favor – até para encontrar um obstetra alinhado com seus objetivos. O ideal é que, em cada caso abaixo, o médico seja claro em relação às porcentagens reais de risco e ofereça informações completas para a escolha da mãe.
“O bebê está com o cordão enrolado”
“A ocorrência é muito comum e acomete até 40% dos partos”, conta Melania. Só que o diagnóstico de circular de cordão – quando o cordão umbilical está enrolado em qualquer parte do corpo do bebê – não é determinante, porque ele se mexe dentro da barriga o tempo todo. A ultrassonografia pode mostrar uma circular que irá se desfazer e o bebê nascer sem circular – ou, ao contrário, o bebê pode não apresentar circular no ultrassom e nascer com circular. “O bebê não ‘respira’ como nós, ele está em um meio líquido, seu pulmão é fechado e sua oxigenação é através do cordão umbilical. Ao nascer e observar a presença de circular, apenas retira-se, como um ‘cachecol’, pela cabeça ou corpinho”, explica a obstetra Mariana Simões.
“Você está com a pressão alta” ou “Você está com a pressão baixa”
A pressão baixa é comum na gravidez, não requer nenhuma medida drástica. Já a pressão alta pode levar a uma interrupção da gestação – não necessariamente cirúrgica. “Isso pode ser feito através da indução de um parto normal”, explica a Andrea Campos. Os obstetras podem se utilizar de hormônios ou procedimentos mecânicos, como o rompimento artificial da bolsa ou exames de toque vigorosos.
“O bebê não está encaixado”
O posicionamento correto do bebê pode acontecer só durante o trabalho de parto. São as contrações efetivas que fazem com que ele “desça” e se encaixe.
“O bebê passou do tempo”
“Bebês não ‘passam do tempo’, apenas têm um tempo diferente de maturidade. Segundo estudos mais recentes, após 41 semanas e 1 dia deve haver acompanhamento, mas não interrupção com cesárea”, diz Mariana. De qualquer forma, mesmo nestes casos a solução não é só a cesárea – também dá para acelerar ou induzir o trabalho de parto.
“Os batimentos do bebê estão acelerados”
Bebês dormem e se movimentam. Como nós, se dormimos ou estamos em repouso, há uma queda do batimento. Se nos agitamos, os batimentos se aceleram. Agora, se há uma aceleração persistente e foram excluídas causas fisiológicas – como taquicardia ou febre da mãe – pode ser indício de sofrimento fetal. “Neste caso, a cesariana pode ser necessária”, alerta Andrea.
“A cabeça do bebê é muito grande”
A desproporção céfalo-pélvica é um motivo real para escolher pela cesariana, mas o problema está no diagnóstico. “Muitas vezes usa-se esta desculpa antes do trabalho de parto, mas só dá para saber que existe a desproporção durante o trabalho de parto”, conta Melania. O problema acontece quando a cabeça do bebê não consegue passar pela parte mais estreita da bacia da mãe, mesmo quando a dilatação do colo uterino já é total. Por isso, é recomendável que mesmo quem opta pelo parto normal tenha uma estrutura de hospitalar à disposição.
“O bebê é muito grande”
A ultrassonografia não é precisa para determinar o peso do bebê. Mesmo assim, bebês com mais de 4 kg ainda podem nascer de parto normal. “Desde que a mãe não tenha uma diabetes descompensada, isso não é problema. O bebê geralmente tem o tamanho que passaria pela pelve”, conta Andrea.
“Você já fez uma cesárea anteriormente”
Muitas mulheres ficam surpresas e não acreditam que, mesmo depois de terem passado por uma cesárea, podem ter o segundo filho de parto normal. “Com até duas cesáreas anteriores, os riscos reais em trabalho de parto natural (sem indução farmacológica) é de cerca de 0,5%. Já com três cesáreas anteriores, pode-se haver até 5% de riscos de ruptura uterina e esse número para a medicina é considerado um valor alto”, descreve Mariana.
“Você não tem dilatação”
Antes do trabalho de parto, é normal não haver dilatação. Em geral, o colo só se dilata significativamente durante o processo. O que caracteriza o trabalho de parto são as contrações regulares a cada três minutos, com duração de em média três minutos. Antes disso, não há razão para esperar uma dilatação.
“Você está constipada”
“A constipação intestinal não exerce nenhuma influência sobre o parto”, garante Andrea. Nesses casos, complicações da cesárea podem agravar o quadro, já que o intestino pode ficar paralisado por algum tempo.
"O período expulsivo está demorando muito"
O período expulsivo é a segunda fase do parto natural. Ele vai da hora em que a dilatação está completa até o momento em que o bebê efetivamente nasce. Os limites toleráveis para a duração do período expulsivo são muito variáveis. “Há quem indique cesárea depois de 30 ou 40 minutos de período expulsivo. Mas, com analgesia, o ACOG (American College of Obstetricians and Gynecologists) considera segura uma duração de até 3 horas. Sem analgesia, 2 horas”, explica Melania. Antes disso, outras medidas podem ser tomadas, como a prescrição de ocitocina (hormônio que acelera as contrações), vácuo-extração ou fórceps. “Mas eu diria que só chegar a período expulsivo hoje no Brasil é uma vitória. A maioria das cesáreas são eletivas, realizadas antes do trabalho de parto”, lamenta Melania. E, consequentemente, antes de ser possível avaliar a real necessidade da intervenção cirúrgica.
Quando a cesárea necessária
Existem, sim, muitos casos em que ela pode salvar a vida da mãe e do feto. Mas a maioria das justificativas aparecem só durante o trabalho de parto. E mesmo as cesáreas eletivas – ou seja, marcadas – podem esperar este momento para ter certeza que o bebê está pronto para vir ao mundo. Veja alguns motivos que podem levar à cesariana e entenda porque, nestes casos, a intervenção cirúrgica é melhor:
- Estado Fetal Intranquilizador (sofrimento fetal): quando o bebê não está bem e o nascimento precisa ocorrer prontamente – e a cesárea é a via de parto mais rápida.
- Apresentação córmica: quando o bebê está atravessado no momento do trabalho de parto.
- Hemorragias maternas no final da gravidez: podem ocorrer por descolamento da placenta (quando a placenta descola antes de o bebê nascer) ou placenta prévia (quando a placenta recobre o colo do útero). As duas pedem uma cesárea. Mas sangramentos pequenos podem acontecer também pela dilatação do colo do útero e, neste caso, não há necessidade de cirurgia.
- Mãe portadora do HIV: pesquisadores do International HIV Group analisaram diversos estudos e concluíram que as chances de transmissão do vírus da mãe para o bebê diminui em 50% se feita a cesariana programada.
- Apresentação pélvica em primigesta (bebê sentado em mulheres que nunca pariram): o bebê pode nascer sentado, mas nestes casos o risco relativo do parto normal é maior que o da cesárea.
- Herpes genital com lesão ativa: há maior chance de o bebê se infectar durante o parto normal do que na cesariana eletiva.
- Prolapso de cordão: o cordão sai antes do bebê. O problema é que quando o bebê passa pelo canal, quando feito o parto normal, provoca uma pressão no cordão, impedindo a passagem de sangue para a criança.
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