Na França, o partido de extrema direita de Le Pen mostrou crescimento após atentados; nos EUA, ocorre processo similar
Em janeiro, um atentado contra o jornal francês Charlie Hebdo chocou o mundo. Dois irmãos, Said e Chérif Kouachi, assumiram a autoria do ataque com a justificativa de ser um protesto às publicações do periódico, consideradas ofensivas ao islamismo, religião da qual a dupla era adepta. O ataque culminou no assassinato de 12 pessoas. Em novembro, um grupo de terroristas matou 130 pessoas em ataques quase simultâneos em sete locais diferentes de Paris. Poucos dias após a tragédia, o grupo extremista Estado Islâmico reinvindicou autoria sobre os ataques. Episódios que, somados a outros no mundo, fizeram de 2015 o ano em que o conservadorismo político ganhou força.
Na França, os dois casos contribuíram para a ascensão da Frente Nacional (FN), partido de extrema direita encabeçado por Marine Le Pen. Munida de um discurso conservador contra a imigração e de apelo por medidas mais rígidas nas fronteiras do país, Le Pen ganhou respaldo com os ataques de 2015. “Infelizmente a ascensão foi reforçada pelos ataques, mas já vinha de antes, de uma direitização da população francesa e um fascínio pela FN”, avalia Cecilia Baeza, professora de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).
No primeiro turno das eleições regionais, que ocorreu em 6 de dezembro, o partido de Le Pen conquistou a vitória em 6 das 13 regiões e obteve o primeiro lugar, à frente de Nicolas Sarkozy, que tenta emplacar sua volta, e do atual presidente François Hollande, cuja popularidade cresceu expressivamente em razão da maneira como lidou com os ataques de novembro em Paris. O segundo turno, realizado em 13 de dezembro, apontou um cenário completamente diferente. Com um aumento de cerca de 10% na participação eleitoral, o quadro que antes se mostrava muito positivo para Le Pen, mostrou que sua vitória não será tão fácil assim.
Marine Le Pen atribuiu os resultados à aliança dos partidos Socialista e Republicano. O partido Socialista, de Hollande, recorreu a medidas radicais para frear o avanço da Frente Nacional. Em duas regiões onde o partido de ultradireita apresentava ótimos resultados, Nord-Pas-de-Calais-Picardie e Provence-Alpes-Côte d'Azur, os candidatos socialistas abandonaram o páreo e o primeiro-ministro socialista Manuel Valls tomou uma atitude inédita: pediu voto para seus rivais. Valls foi a público e expressou a necessidade de impedir a vitória da FN, convocando o eleitorado dessas regiões a votar em candidatos republicanos. O pedido do primeiro ministro foi bastante específico: ele chegou a listar nomes de seus rivais.
A manobra dos socialistas, no entanto, terá seu preço. O cenário pós-segundo turno não é bom para o partido. Atualmente os socialistas controlam 20 das 21 regiões. Uma reforma na divisão do país implicará na redução para apenas 13 regiões. Na nova conjuntura, o partido do atual presidente François Hollande perderá muitas regiões e estima-se que controlará apenas 5. O quadro poderia ter sido mais desastroso, não fosse a boa gestão do presidente Hollande após os ataques de 13 de novembro. Um crescimento de 7% na popularidade do socialista evidencia que os franceses aprovaram suas ações no cenário pós-atentados.
Os números ao final deste segundo turno indicam, em teoria, vitória para Sarkozy e seu partido de centro-direita Les Républicains. No entanto, na prática, o quadro é diferente. A abordagem de Sarkozy com a questão da imigração e dos islâmicos se aproxima cada vez mais do discurso de Le Pen e aponta para um possível processo de direitização de Sarkozy. Se há uma certeza ao final das eleições regionais, é que tanto centro-direita quanto esquerda sabem o estrago que Marine Le Pen é capaz de fazer. Com ações mais contundentes, os socialistas mostraram que estão dispostos a abrir mão de influência política para conter o avanço da FN. Menos contundentes, os republicanos mantém olhos bem abertos e vigiam cada passo da neta de Jean-Marie Le Pen. A prova disto é que tanto o presidente do partido Les Republicains quanto Manuel Valls pediram para que os resultados do segundo turno não apaguem da memória de ninguém os resultados do primeiro turno, quando os números apontavam a vitória da extrema direita.
Eleições nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, está em curso um processo similar ao observado na França. Com as eleições presidenciais de 2016 se aproximando, o país vive seu período pré-eleitoral marcado por debates e declarações dos pré-candidatos. Entre os democratas, Hillary Clinton lidera as pesquisas com uma segura margem. Já entre os republicanos, o nome da vez é Donald Trump, que também tem boa vantagem em relação ao segundo colocado. O milionário que fez carreira na televisão agora é político. Para Geraldo Zahran, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e coordenador do Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU), Trump é uma incógnita. Apesar de ser difícil estabelecer exatamente o que ele representa, o professor acredita que o candidato tem potencial dentro da corrida eleitoral. “Está claro que ele não é mais um aventureiro, uma brincadeira. Ele vai ficar na corrida até o final”, avalia.
Apesar da clara liderança, Trump é o candidato mais controverso da corrida. No início de dezembro, o milionário anunciou que, se eleito, irá barrar completamente a entrada de muçulmanos nos EUA. Vale lembrar que o anúncio ocorreu logo após os ataques de Paris e o ataque em San Bernardino, na Califórnia, que deixou 14 mortos. No caso da Califórnia, o casal que praticou os ataques era muçulmano e estava motivado por ideais do grupo Estado Islâmico. Os dois eventos viraram prerrogativa para discursos sem embasamento algum, como o de Donald Trump. O que explica o sucesso do candidato entre os republicanos, a ala mais conservadora da sociedade estadunidense, é ele ser diferente de qualquer outro candidato já visto e propor um discurso que não é tradicional à política americana. Para Geraldo Zahran, dois motivos explicam o "fascínio" por Trump: "um grupo é atraído porque ele é diferente e outro grupo é atraído por um sentimento de frustração com a política americana, principalmente na economia".
O milionário se posiciona frente a todas as questões com postura de extrema direita. Trump não só é contra a imigração, mas é favorável à deportação de todos os imigrantes sem documentação. A questão da imigração sempre foi muito restrita aos latinos, devido à fronteira com o México, mas com a crise dos refugiados passou a envolver outras nacionalidades.
Imigrantes
Do partido Democrata, Barack Obama é favorável a uma reforma imigratória. A proposta de reforma apresentada por ele ao final de 2014 contemplava cerca de 5 milhões de imigrantes ilegais que teriam a chance de tentar se regularizar no país (atualmente, estima-se que 11 milhões de imigrantes estejam vivendo ilegalmente nos Estados Unidos). Mediante uma série de condições, os imigrantes poderiam solicitar uma permissão de trabalho válida por 3 anos, além de ter proteção contra deportação. A proposta de Obama foi barrada sob a justificativa de que ele teria passado por cima do Congresso para implementar tais medidas de benefício aos imigrantes.
Antes das eleições de 2014, o Senado aprovou uma reforma de imigração que depois foi bloqueada pelos republicanos presentes na Câmara. Na visão de Geraldo Zahran, apesar de "engessado" pela oposição, o presidente tem feito o que está ao seu alcance, tomando medidas executivas e ações que não precisam ser deliberadas pelo Congresso, de certa forma, manobras. "Obama tem sido muito criticado por fazer isso, e algumas ações têm sido contestadas judicialmente pela oposição", diz. O presidente se vê de mãos atadas pelo Congresso e pelo partido, principalmente nos estados do Sul, onde tais medidas são impopulares. Por outro lado, grupos de apoio aos imigrantes acham que ele faz pouco.
Há perspectiva de resolução para a questão da imigração? Para Zahran, a questão só será resolvida quando o partido Republicano aceitar apoiar a reforma da imigração. Se depender somente do eleitorado tradicional, conservador, o partido não vencerá eleições. "Uma porção do partido concorda que deve ganhar os votos dos hispânicos, mas não é consensual", avalia o professor. Se um candidato republicano vencer, a reforma dificilmente ocorrerá.
Debate sobre o porte de armasHillary Clinton, democrata, tem a mesma posição que Barack Obama e da maioria dos eleitores do partido. Quanto aos imigrantes sírios, 63% dos democratas mostram-se favoráveis à entrada deste grupo nos EUA. Entre os republicanos, 68% são contra a entrada de refugiados sírios.
Além da questão dos imigrantes muçulmanos, o ocorrido em San Bernardino também trouxe à tona a discussão sobre o porte de armas. Um levantamento realizado pelo jornal The Guardian mostra que, em 1066 dias, ocorreram 1052 episódios envolvendo armas de fogo nos EUA. Os dados dizem respeito ao período de 1º de janeiro de 2013 a 2 de dezembro de 2015, data do ataque em San Bernardino.
O direito ao porte de armas está previsto na Constituição Americana e a 2ª emenda protege o direito de possuir e portar armas. Mas, de acordo com um levantamento do jornal The New York Times, 76% dos candidatos democratas concordam que é necessário maior rigidez na política de porte de armas. Esse é, inclusive, um dos pontos essenciais do discurso de Hillary. Já entre os republicanos, 59% são contra alterações no porte de armas. Donald Trump está entre este percentual.
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