O que significa quando uma mulher adulta decide se vestir e comportar como uma menina?
Ver o mundo por lentes cor-de-rosa: esse é o jeito que muitas mulheres decidiram viver. Mais do que o reflexo de uma personalidade doce e meiga, a fofura é também uma escolha, denunciada por uma (ou várias) pistas, como guarda-roupa recheado de peças cor-de-rosa, bichinhos de pelúcia na mesa de trabalho. Está também, principalmente, em uma delicadeza de modos que parece à prova até de terremotos, recheada de tratamentos no diminutivo e vozinhas infantis. Mas, além do gosto pessoal, o que significa quando uma mulher adulta decide se vestir e comportar como uma menina?
A microempresária Adelia Fernanda de Morais Teixeira Leite, 31 anos, é fofa de carteirinha. “Eu sempre tive esse jeitinho, de gostar de coisas meigas, cor-de-rosa”, conta. “Meu pai até se irrita, e fala para eu comprar outra cor, que não aguenta mais me ver de roupa rosa.” Desde criança, Adelia é assim. Mas, contrariando a lógica, intensificou o hábito depois de adulta. “Hoje eu ganho meu próprio dinheiro, posso comprar o que eu quero”, conta. Algumas Barbies e itens da Hello Kitty, como canetas, camisetas e cadernos, marcam presença entre os objetos da empresária, que, quando não está cuidando da sua loja virtual, dá aulas de patinação artística.
A vida de princesa incomoda. “As pessoas acham um comportamento idiota, antes de me conhecer. Tem gente que tenta se aproveitar. Mas quebram a cara, porque não sou idiota. Estamos de igual para igual”, afirma Adelia, ainda assim, sem perder a ternura. “Não preciso ser áspera, grosseira e rígida para me impor.”
Em vez de se retrair, Adelia profissionalizou a fofura: os pequenos adereços e pingente em forma de doces e lacinhos que fazia para si são produtos da sua loja virtual. Ela é fã também do estilo japonês de moda Lolita, com roupas de inspiração vitoriana, ar romântico e infantil, cheias de babados e frufrus. Ela tem seis figurinos, que usa em feiras em que divulga sua loja e encontros de Lolitas em Recife, onde mora. “O dinheiro é meu, quem quiser que critique”, retruca Adelia a quem torce o nariz.
Entre espinhos
E não falta quem torça. “É importante ter em mente que é justamente o perfil da mulher que pode ser um pouco egocêntrica, a menina mimada. Esse ego não tão desenvolvido faz ela partir para os diminutivos”, diz o psicólogo Alexandre Bez. Ele credita esse tipo de temperamento ao “complexo de Poliana”: “É uma dificuldade de enxergar a realidade que faz a pessoa ver tudo de forma colorida. São pessoas que vivem no arco-íris, não enxergam maldade, malícia, o foco negativo”.
Para Alexandre, é um sistema de defesa do ego. “Tem pessoas que usam isso para não lidar com uma realidade dura, porque não têm condição emocional de lidar com ela”. Os riscos, por exemplo, são ser levada na brincadeira, ou deixar a falta de responsabilidade contaminar outras áreas da vida.
É claro que gostar de rosa ou colecionar itens com um tema de desenho animado, por exemplo, não indicam necessariamente um problema. A questão é quando gostos e preferências são um sinal de excesso de fragilidade e dificuldade de lidar com os aspectos “menos fofos” da vida. “A pessoa pode ser meiga sem ser infantil. O que diferencia é a freqüência e o comportamento dessa pessoa no dia a dia. O que não pode é tomar isso como uma postura contínua.”
Esse é um cuidado que Andreza Ferreira, de 29 anos, procura manter. “Sou uma mulher adulta, mas que tem um lado menininha”, afirma. Ela trabalha no atendimento ao cliente de um hospital, e o jeito meigo às vezes atrapalha. “As pessoas interpretam como falta de postura firme. Eu costumo sorrir o tempo todo, mas tenho que fechar a cara às vezes”, diz. Ela afirma que pessoalmente é mais fácil: o 1,80 metro garantem altura de mulherão e impõem respeito.
“Mas, por telefone, sempre apanho dos pacientes”, brinca. Andreza está no time das que ainda têm algumas Barbies e bonecos da Hello Hitty. “Quando criança, eu era uma menina que brincava mais de carrinho do que boneca. Na adolescência, nunca gostei de rosa, fui gostar depois dos 20”, conta. Mãe de um menino de 8 anos e de um de 11, ela tem o blog Meninas de Pantufas, com artigos de psicólogas, nutricionistas, fisioterapeutas e posts sobre moda e esmalte. “Pantufa é aconchegante e meiga”, explica o nome.
Rosa fede
Mundo afora, há movimentos se posicionando contra o excesso de meiguice e contra seu símbolo máximo: a cor rosa. Um grupo de mães na Inglaterra fundou o Movimento Pink Stinks (rosa fede), para defender que roupas infantis, brinquedos e adereços não sejam associados por cor a um gênero, já que as opções femininas quase sempre são nessa cor, e o rosa é associado a um tipo de feminilidade muito restrito, ligado apenas a bonecas e cozinhas de brinquedo. Há estudos em marketing e psicologia que tentam desvendar o que há por trás da associação entre rosa e o gênero feminino.
Para a antropóloga Mirian Goldenberg, essa feminilidade mais delicada é um traço da cultura brasileira. “Numa cultura como a nossa, em que a mulher não tem uma posição de igualdade dentro e fora de casa, é quase que o esperado” afirma. “Eu chamo de mulher cor-de-rosa essa mulher magrinha, delicada, feminina, submissa, que é educada desde cedo para ser assim. A mulher que é mais assertiva é vista como menos feminina.” Para Miriam, é como se houvesse um retrocesso para antes das décadas de 60 e 70, em que houve um rompimento feminino desse padrão. “O homem pode até romper com a fronteira do rosa, mas muitas mulheres estão presas nessa cor. É pobre e muito pouco livre. Se essa mulher estivesse feliz, ótimo, mas nas minhas pesquisas, elas dizem querer essa liberdade”, reflete Miriam
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