quinta-feira, 19 de julho de 2012

Carrinho fez brasileiro que atuava na Europa virar garçom no hotel da seleção


Revelado no São Caetano, Luís Miguel jogava na Alemanha quando sofreu entrada violenta

O ex-jogador, do outro lado do balcão: "quando conto, pensam que sou mentiroso"
O placar marcava zero a zero. Luís Miguel, meia-atacante do TSV Torgelow, clube da segunda divisão do norte da Alemanha, recebeu a bola no meio de campo e se preparou para partir em velocidade. Era maio de 2009, e a equipe do brasileiro, revelado nas categorias de base doSão Caetano, enfrentava o Greiswald. “Aí veio o carrinho”, lembra, enquanto recolhe um copo da mesa para colocar na bandeja.
Luís Miguel, nome de cantor e sotaque de rapaz simples de São Bernardo (SP), não esquece o lance. “Ele travou minha perna, eu caí para um lado e ele para o outro, como um alicate. A ambulância entrou no campo, me levou e meia hora depois os médicos disseram que eu precisaria ser operado. Tinha quebrado os dois ossos da canela”, conta. Hoje, aos 24 anos, ele trabalha como garçom no Sopwell House, tradicionalíssimo hotel ao norte de Londres, no qual a seleção brasileiraestá hospedada para disputar os Jogos Olímpicos.
A vida de Luís daria um filme, mas alguém iria dizer que o roteirista pirou. O jogador partiu para a Europa em 2006, após jogar um ano nas categorias de base do São Caetano. O papo do agente era que ele ficaria na Inglaterra, porém surgiram problemas com o visto. Luís foi tentar a sorte em divisões de acesso de Portugal e da Espanha, onde morava numa bela casa com piscina, mas recebia com atraso os pagamentos do clube.
Surgiu a chance de jogar na Alemanha. Quando ingressou no TSV Torgelow, o jovem ganhava 2 mil euros por mês, além de ter as despesas pagas pelo time. Estava feliz com a estrutura do clube e a chance de despontar para o futebol europeu. Então veio o carrinho, a cirurgia, o mês no hospital, os sete parafusos de platina na perna – além de um maior, que fazia papel do ligamento do tornozelo – e tudo somado foram nove meses de recuperação. Mas ele não abandonou o sonho.
Luís já corria e treinava novamente quando, um dia, ao entrar no MSN (serviço de mensagens instantâneas na internet), recebeu um “olá” de uma moça desconhecida, uma advogada que morava no Vietnam. Na verdade, ela havia confundido o jogador com outro Luís Miguel, filho do técnico da seleção vietnamita de futebol. “Achei que a mulher estava tirando um sarro de mim e resolvi tirar um sarro dela também”, conta. “Comecei a fingir que era o cara”.
iG Esportes
Luís, ao lado das camisas expostas no corredor, de times que se hospedaram no hotel
Seria só um trote, não fosse a conversa virar um convite para jogar no país asiático. “Nessa hora, pedi para ela ligar a câmera do computador, para a gente falar cara a cara. Disse que tinha mentido, que era outro Luís, mas que também jogava futebol e gostaria de fazer um teste”. Ela topou, ele foi. “Quando eu conto, pensam que sou mentiroso”, diverte-se, segurando uma bandeja em pé, ao lado da mesa de jantar – ele recusou o convite para se sentar, porque havia mais hóspedes no salão.
Ficou um tempo no Vietnam, quando surgiu a oportunidade de jogar no Egito. O irmão mais novo de Denílson, volante do Arsenal atualmente emprestado ao São Paulo, estava por lá e disse que conseguiria uma vaga. Mas durou pouco. Primeiro, porque o técnico resolveu tirá-lo de um amistoso aos cinco minutos de jogo. “Ele não me respeitava”, diz. O outro motivo é que, durante uma viagem que ele e o amigo fizeram para Londres, num último capítulo improvável dessa trajetória, explodiu a primavera árabe na praça Tahir.
Já era começo de 2011, quando Luís decidiu que não podia continuar assim, sem rumo. “Queria tentar mais uma vez, porque futebol é que nem andar de bicicleta, você não esquece. Fui fazer um teste no Reus, da Espanha. Mas tinha resolvido que, se não desse certo, seria o último”, diz.
Não deu certo. Luís Miguel voltou para a Inglaterra e virou garçom. Primeiro, de um restaurante francês, depois, de um libanês e, nos últimos dois meses, do hotel. Mas parece ser outra passagem temporária. “Não quero ficar como garçom, quero fazer algo significativo. Estou tentando entrar na faculdade aqui, para estudar international business [negócios internacionais]. Se não der certo, volto para estudar no Brasil”, diz.
E o futebol, nunca mais? Luís diz que não. Após tantas promessas frustradas, ele parece desiludido. “É o meio mais desonesto que existe”, desabafa. O relógio marca quase uma da madrugada. Luís termina de secar alguns copos e ainda topa tirar fotos em frente a camisas de futebol expostas no corredor, deixadas ali por times que se hospedaram no hotel. Mas precisa voltar para terminar o serviço, porque nesta quinta-feira ele pega às 8h30 e só larga à meia noite.
Já a seleção treina às 9h no campo do Arsenal e parte, à tarde, para Middlesbrough, onde joga um amistoso na sexta-feira contra a Grã-Bretanha. A estreia do time de Mano Menezes nas Olimpíadasestá marcada para o dia 26, contra o Egito, em Cardiff (País de Gales).

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