quinta-feira, 5 de julho de 2012

O poder dos quietos


Bestseller mostra como os introvertidos são essenciais em um mundo que não para de falar

Divulgação
Livro de consultora norte-americana mostra como os introvertidos podem se dar bem em um mundo que não para de falar
Basta ser pega de surpresa em alguma situação ou receber um elogio para a auxiliar – administrativa, Débora Rocino, de 30 anos, ficar com o rosto totalmente vermelho. Falar em público, até para fazer um brinde de aniversário, é um desafio e nenhum programa social substitui o prazer de ficar em casa lendo um livro ou ouvindo música ou, simplesmente, quieta. A noitada perfeita é uma reunião de poucos amigos. Para eles, Débora é uma boa ouvinte, além de uma pessoa delicada e reflexiva. Se você também se identificou com este perfil, talvez seja, assim como Débora, um introvertido.

De acordo com um dos estudos descritos no livro “O Poder dos Quietos”, da autora Susan Cain (editora Agir, 2012), pelo menos um em cada três norte-americanos são introvertidos. Levando em conta que o país é considerado um dos mais extrovertidos do mundo, esse número pode ser ainda mais alto em outras nações.
Susan Cain conversou com o iG e explicou que, em um mundo supercompetitivo, onde a comunicação e os bons contatos são cada vez mais valorizados, tem-se a impressão de que esta estatística está errada. Isso acontece porque, segundo ela, provavelmente muitas pessoas “fingem”, consciente ou inconscientemente, ser extrovertidas para atender ao “Ideal da Extroversão” segundo o qual pessoas falantes são consideradas socialmente mais espertas, mais bonitas e mais interessantes.
O típico extrovertido tão valorizado no mundo atual prefere a ação à contemplação, assumir riscos à cautela, a certeza à dúvida. É o tipo de pessoa que toma decisões rapidamente, tem capacidade de liderança, é sociável e sente-se confortável sob a luz dos holofotes. Já a introversão, junto com seus “parentes e agregados” -- sensibilidade, seriedade e timidez -- é, muitas vezes, vista como um traço de personalidade de “segunda classe”. No livro, Cain cita exemplos de pais de crianças introvertidas que buscam ajuda terapêutica para ‘consertar’ seus silenciosos rebentos, na esperança de que eles se tornem as pessoas assertivas, competitivas e falantes que parecem destinadas a dominar o mundo.
O preconceito contra os introvertidos
Quando questionada sobre suas razões para escrever o livro, Cain responde: “Existe um preconceito contra os introvertidos. Nossas escolas, locais de trabalho e instituições religiosas são desenhadas para extrovertidos e muitos introvertidos acreditam que têm algum problema e que, por isso, devem tentar ‘fingir’ que são extrovertidos. Esse preconceito gera um imenso desperdício de talentos, de energia e, no final, de felicidade”.
A verdade é que os introvertidos simplesmente preferem passar mais tempo sozinhos e não têm a mesma necessidade de contato interpessoal que os extrovertidos. Se isso faz com que recusem tenazmente convites para happy hours e festas de aniversários, não necessariamente os torna ermitões empoeirados, ao contrário, embora não se sintam tão confortáveis em discussões de grupos, são mais cooperativos e conseguem funcionar melhor em times, ao contrário de suas competitivas contrapartidas extrovertidas.
Divulgação
Susan Cain: "Introvertidos são mais criativos e mais inovadores"
Introvertidos são mais criativos e mais inovadores
Estudos, como o realizado pelo Instituto de Análise e Pesquisa da Personalidade da Universidade da Califórnia, mostram, ainda, que introvertidos são mais criativos e inovadores. Albert Einstein, Chopin, Steven Spielberg e Bill Gates, introvertidos assumidos, estão aí para provar.
“A maioria das pessoas criativas é introvertida”, vai além Susan, “isso se deve, em parte, a sua capacidade de ficarem quietos. Introvertidos são pensadores cuidadosos e reflexivos, que aguentam bem a solidão que o processo de geração de ideais exige”, conclui.
Com um perfil mais concentrado, as pessoas mais quietas também são ótimas na resolução de questões complexas, que exigem maior precisão, e mais cautelosas com relação a riscos.
Também é preciso diferenciar timidez de introversão. “Timidez é o medo do julgamento social negativo, é ser excessivamente preocupado com o que as pessoas pensam de você. Introversão é simplesmente a preferência pela calma, por menos estimulação. Na prática, muitos introvertidos também são tímidos, mas nem todos”, explica Susan Cain na entrevista ao iG.
O Ideal da Extroversão no mercado de trabalho
Arquivo pessoal
Bruno Dellore, 30 anos, 100% introvertido: recorri a várias técnicas para falar em público
A pressão da sociedade para sermos pessoas comunicativas, confiantes e expansivas faz com que os introvertidos – que preferem muitas vezes o silêncio do quarto a um papo de botequim – sejam muitas vezes taxados de “chatos”, “sérios demais” e “antissociais”.
No mercado de trabalho, não é diferente. Geralmente, o perfil mais procurado pelos headhunters é o do profissional que sabe liderar equipes, tem um bom marketing pessoal e se sai bem em apresentações e no contato com clientes.
O analista de planejamento Bruno Dellore, de 30 anos, que se considera “100% introvertido”, teve que se adequar às exigências do mercado da Moda para se dar bem profissionalmente. De poucas palavras e do tipo pensativo, seu maior desafio era fazer apresentações em público. “Passava mal e ficava dias sem dormir quando precisava dar algum treinamento”, conta ele. A aversão à exposição foi sendo superada ao longo do tempo. “Adotei algumas técnicas e usei uma nova metodologia. Agora, visto a ‘fantasia’ do apresentador”, diz.
Susan Cain afirma que introvertidos são capazes, sim, de fazer excelentes apresentações em público e agir como extrovertidos pelo bem de um trabalho que considerem importante, de pessoas que amem ou de qualquer coisa a que deem um alto valor.
Isso significa que a pessoa consegue incorporar um “personagem” momentaneamente em torno de um ideal, mas logo voltará à personalidade original. “Somos como elástico em repouso. Podemos nos esticar, mas até certo ponto”, diz a autora em um trecho do livro que já teve mais de um milhão de exemplares vendidos nos Estados Unidos.
Na hora de liderar, os introvertidos também têm seu valor. Ao contrário do que sugere o senso comum, uma pesquisa realizada por Adam Grant, professor de administração da Wharton University da Pensilvânia, uma das mais importantes escolas de negócios do mundo, constatou que os chefes introvertidos podem produzir melhores resultados que os extrovertidos, especialmente com funcionários proativos. Introvertidos são mais propensos a deixar os empregados executarem suas próprias ideias e estariam mais abertos a sugestões.
Débora Rocino vencendo os medos: online é mais fácil
Arquivo pessoal
Débora Rocino, 30 anos, vencendo o medo com a ajuda das redes sociais
Mas nem todos conseguem vencer seus medos com tanta facilidade. Débora Rocino, que se considera uma introvertida extremamente tímida, desde pequena detesta ser o centro das atenções. Em busca de superar a vergonha, decidiu se colocar em uma prova de fogo: posar para um book de fotos. “Levei mais de quarenta minutos para conseguir fazer a primeira foto, mas consegui. Sei que vão existir muitos momentos em que precisarei encarar este tipo de situação”, conta.
No fim, Débora gostou tanto da experiência que colocou as imagens em seu perfil no Facebook. Assim como ela, muitos introvertidos sentem que podem se expressar mais facilmente online do que pessoalmente. “Eles podem fazer conexões com os outros pela web e, em seguida, estender essas conexões para o mundo real, sem ter que percorrer o processo inicial de conhecer os rituais de conversa fiada que muitos introvertidos não gostam”, finaliza Susan Cain.

Nenhum comentário:

Postar um comentário