Gestos agressivos podem antecipar atos de violência contra o parceiro na relação do casal. Aprenda a reconhecer sinais de perigo
Quem não se lembra do caso da adolescente Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, morta a tiros pelo ex-namorado, Lindemberg Alves Fernandes, em 2008? E da cabeleireira Maria Islaine de Morais, de 31 anos, assassinada pelo ex-marido no ano passado? As imagens, gravadas pela câmera de segurança de seu salão, correram o País. De acordo com especialistas, é possível enxergar alguns sinais de que a violência está virando rotina para um casal. O problema é que, no auge da paixão, é mais fácil justificar um ato agressivo do que encará-lo como tal.
“Os sinais já são uma violência por si só. O parceiro que grita, humilha ou dá um empurrão já está agredindo. É preciso ficar atento a estes gestos”, afirma a psicóloga Margareth Volpi, mestre em terapia familiar e de casais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Ela enumera algumas ações que não deveriam fazer parte de um relacionamento saudável. “Quando há proibições unilaterais, ou seja, sem diálogo, é muito ruim. O proibir porque simplesmente não quer, sabe? Pode ser uma roupa mais curta ou ter amigos do sexo oposto. Também é preocupante quando há uma relação de ‘propriedade’ no relacionamento. Ninguém pode ser dono de outra pessoa.”
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A psicanalista e professora do departamento de psicologia da PUC do Rio de Janeiro Junia de Vilhena explica que há uma maior quantidade de homens violentos do que mulheres, mas que isso não significa que elas não existam. “Homem tem mais vergonha de denunciar, mas muitas namoradas ou esposas são controladoras e agressivas. Independente do sexo do agressor, o mais impressionante é que o ciúme ou o amor possa ser visto como um motivo para se matar alguém. São os chamados crimes sob violenta emoção. Isso é inadmissível. Amor é uma coisa boa. Jamais uma justificativa para um crime.”
A vítima se sente culpada
A roteirista Renata Corrêa, 28, assume que ficou presa em um namoro agressivo durante anos. Ela conta que estava muito apaixonada e não conseguiu ver que os episódios de fúria se tornavam cada vez mais frequentes. “Ele nunca me bateu, mas quebrou a porta da casa da minha mãe a pontapés. Depois disso eu vi que precisava colocar um ponto final no relacionamento, só que mesmo assim foi complicado. Eu me sentia culpada. Achava que ele estava doente e que eu tinha obrigação de ajudá-lo”, lembra.
Renata, como tantas outras, era humilhada constantemente pelo parceiro, mas achava que ele nunca mais ia repetir a violência verbal. Ela conta que quando estava desempregada e morava com o namorado, a maneira como ela lavava a louça era motivo de gritaria. “Ele ficava muito bravo porque eu colocava a faca para secar com a ponta para cima. O correto, segundo ele, era para baixo. Hoje eu consigo ver que aquilo não era normal, mas na época tinha certeza que era algo passageiro.”
“Muitas mulheres, infelizmente, possuem uma certa capacidade de tolerar atos violentos e de achar que as coisas vão mudar. Na maioria das vezes, quem fica num relacionamento assim tem uma atitude de autossacrifício. Faz tudo pelo outro e esquece as suas necessidades”, afirma Mayra Luciana Gagliani, diretora do Departamento de Psicologia da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP).
Depois de muita terapia, Renata aceitou que a agressividade do parceiro nunca foi sua culpa. Teve dificuldade de se relacionar novamente, mas venceu esta barreira. “Estou casada com o homem mais gentil do mundo. Foi bem difícil voltar a namorar, mas o tratamento psicológico me ajudou a ver que tenho todo direito de ser feliz.”
Super-romântico
A analista de marketing paulistana, de 25 anos, que não quis se identificar, descreve cenas de terror que faziam parte da sua rotina: “ele jogava facas na minha direção, arrancava brincos da minha orelha e me batia constantemente. Eu tinha muito medo dele me matar nestes momentos. Depois ficava super-romântico e prometia que nunca mais nada daquilo ia acontecer. Jamais passou pela minha cabeça denunciá-lo.”
“Nos primeiros quatro anos que estávamos juntos eu via que ele tinha rompantes de violência, mas depois ele dava a entender que tudo não passava de uma brincadeira. Era normal ele me humilhar em público e dar um jeito de falar que era minha culpa. Eu não tinha ação. Acho que fui ficando insensível e aceitava tudo como se fosse normal.” Ela conta que era completamente controlada pelo parceiro. “Não tinha amigos nem vida social. Ele nem precisava estar presente. Eu sabia que ele não queria que eu conversasse com homens no trabalho, então eu não fazia.”
A analista de marketing entrou em depressão profunda depois do fim do relacionamento. Ela acreditava que justamente por ter sofrido tanto para ficar com o namorado a relação dos dois duraria para sempre. “Só quem passa por isso consegue entender algo tão irracional assim. Precisei de ajuda psicológica para voltar a ser quem eu era antes de conhecê-lo.”
A mudança que não acontece
Engana-se quem acredita que haja uma categoria mais suscetível a este tipo de relacionamento. O entendimento atual, entre profissionais que acompanham diariamente em seus consultórios casos assim, é que não importa o grau de escolaridade ou a independência financeira. “Quem pensa que só há violência entre casais nas classes menos favorecidas está errado. O que acontece é que nas classes mais elevadas o nível de privacidade é maior. Suas casas são mais isoladas e os vizinhos estão mais distantes”, explica a psicóloga Margareth Volpi.
Tanto Renata quanto a analista de marketing afirmam compreender porque tantas mulheres aguentam uma rotina de agressão por anos sem denunciar seus parceiros. A analista de marketing explica que uma situação tão extrema, como sofrer violência dentro de sua própria casa, afeta a maneira de ver a realidade. “Você não ouve ninguém. Não tem para quem recorrer porque ele te força a perder o contato com todos os seus amigos e familiares. Eu não conseguia ver que podia ir embora. Achava que a única solução era a morte. Pensava constantemente em suicídio.” Renata lembra ainda que sempre existe a esperança de que tudo vai passar: “essa certeza faz a gente passar os dias à espera dessa mudança que não vem.”
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