Aceitar as diferenças é um trabalho que começa em casa. Para especialistas, pais devem servir de exemplo e informar com honestidade, no ritmo da criança
Quando Valter Bastos, 31, soube que seria o padrinho de Théo, sentiu-se lisonjeado: “É difícil explicar, mas, depois de experimentar ter sido 'recusado' tantas vezes pela sociedade, alguém te aceitar assim é algo que te deixa feliz”. Contudo, não foi com a intenção de tornar pública a aceitação do amigo gay que a cantora Amanda Barros e o marido, o arquiteto e baterista Fábio Velloso, optaram por ele. Amigos antes mesmo de o ator e bailarino assumir sua homossexualidade, eles apenas acreditaram que o rapaz pudesse cumprir bem o seu papel: o de amigão – e, por que não dizer, mentor – do filho.
Hoje com seis anos, Théo já começa a perceber melhor posturas e convenções sociais, mas não chegou ao ponto de perguntar exatamente por que o padrinho demonstra preferências por coisas que aparentemente todos os homens rejeitariam. “Ele ainda não me perguntou tão 'especificamente' o que é a homossexualidade, mas percebe, sim, que o Valter é diferente dos outros”, conta a mãe.
Em uma sociedade marcada a ferro e fogo por padrões e preconceitos, é pouco provável que alguém escolha uma figura “ambígua” para servir de modelo para o filho, especialmente se o filho for homem. Uma das ideias mais comuns é que o comportamento homossexual pode influenciar as crianças. É um medo sem fundamento: salvo raras exceções, psicólogos são categóricos ao afirmar que a homossexualidade não é “escolha”, não é “contagiosa” e não é meramente “cultural”.
Falar sobre o assunto tampouco tornará o mundo mais ou menos gay, embora possa, sim, ajudar a próxima geração a ser mais tolerante – não apenas em relação à homossexualidade, mas em relação a qualquer pessoa que fuja dos estereótipos sociais 'convencionais'. Mas como falar sobre homossexualidade com os filhos?
“Esta insistência em se tratar a homossexualidade como problema mascara outro problema maior que deve ser combatido: o preconceito”, ressalta o psicólogo e psicoterapeuta Marcelo Toniette. “A questão não é estimular uma orientação sexual ou outra, mas combater a violência de excluir e oprimir pessoas em nome de uma idade de 'heteronormalidade', sem reconhecer e respeitar a diversidade de possibilidades da experiência humana”. Para Toniette, todas as mensagens deveriam servir como promoção da aceitação das diferenças, para favorecer o desenvolvimento de pessoas para o exercício pleno da cidadania. “O combate que a sociedade deve travar, portanto, não é contra seus cidadãos, mas contra o preconceito que distancia pessoas e que gera sofrimento e violência”.
Para a psicóloga Tereza Maria Lagrota, autora da monografia “Adoção por pares homoafetivos: uma abordagem jurídica e psicológica”, para conclusão de sua segunda graduação (atualmente atua como bacharel em direito), a solução é não focar na diferença. “Se você criar seu filho desde cedo pautado no respeito às individualidades de cada um, tudo será mais fácil, porque cada um é ser humano em primeiro lugar”, explica. “É importante pautar a educação no respeito, e não focar na diferença – como se a diferença fosse mais importante do que a pessoa”.
Para isso, não basta a regra “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Pais são modelos e, como tais, devem agir sem preconceito para que os filhos cresçam sem preconceitos.
Função dos pais ou da escola?
Não há uma idade ou momento certo para explicar a questão, nem uma fórmula que defina a quem cabe este papel. Mas a conversa começa em casa. “Os pais seriam as pessoas mais indicadas para falar sobre sexualidade ou homossexualidade para os filhos, pois na sala de aula o que é falado sobre sexualidade é de uma forma geral, nem sempre focando nas particularidades de cada aluno”, diz Toniette. Para ele, o grande erro está em jogar a responsabilidade para o outro. “Pais e escolas podem se unir para lidar com as questões da sexualidade”.
De acordo com o psicólogo, estas informações devem ser dadas aos poucos, de acordo com a curiosidade das crianças, pois somente assim elas terão tempo de elaborar o que escutaram. Mais do que isso, é importante que os pais estejam tranquilos em relação à própria sexualidade e escutem os filhos para saber como eles estão processando as informações recebidas. A resposta da família deve ser buscada em conjunto, percebendo e respeitando os limites da criança e considerando o seu nível de amadurecimento.
Para o psicólogo clínico João Batista Pedrosa, especializado em terapia com enfoque em sexualidade, a abordagem pode ser muito mais simples do que os pais pensam. “A criança encara isso de forma muito natural e os pais não devem ficar receosos em falar sobre o assunto, porque o ser humano não tem capacidade de influenciar a orientação sexual de uma criança”, explica ele. “Pais devem explicar da forma mais natural possível – da mesma maneira que se explica para as crianças que duas pessoas se amam”.
Caso o pai ou a mãe seja homossexual, no entanto, é importante que os filhos tenham acompanhamento de especialistas: “A homofobia é um punidor social: gays são punidos e as crianças de pais e mães homossexuais são punidas, e filhos podem sofrer aquilo que já conhecemos como bullying”.
Pai, eu não sou gay
Bryan tinha oito anos quando seu pai, o fotógrafo Mau Couti, contou para ele que era gay, após ter se divorciado da mãe. Para a surpresa de todos, o menino reagiu falando “pai, vão te sacanear”, mostrando preocupação apenas em relação à homofobia – e não à sexualidade do pai.
O rapaz – hoje com 18 anos – é heterossexual. “A pessoa já nasce sendo, ninguém escolhe ser homossexual”, afirma Bryan. “Eu nunca parei para pensar nisso porque sempre tive prazer com mulheres, é simples assim”.
Para Mau, pai de Bryan, hoje com 45 anos e autor do blog “Papai Gay”, o assunto deve ser tratado desde cedo. “Não existe uma idade certa, cada criança é uma criança – nem todas precisam entender isso aos oito. Há crianças que não perguntam”, explica Couti. “O problema é os pais esconderem quando as crianças passam a querer entender. Isso cria um tabu e tudo o que é proibido é interessante: elas acabam procurando as respostas na rua, e isso não é legal”. Além disso, diz ele, descobrir tarde demais que alguém próximo é homossexual pode ser considerado uma traição. “Não se aprende a ser gay, mas se aprende a ser preconceituoso”.
“A organização familiar hoje está diferente do que conhecíamos, é uma realidade nova e difícil, porque não temos esta experiência, e temos conosco muitos preconceitos”, diz Maria Rocha, psicóloga e educadora. “Não fomos educados para aceitar a homossexualidade como algo natural e a grande questão é que devemos rever nossos conceitos”. Maria é contra a exposição de imagens ou conteúdos que explorem o estímulo a manifestações sexuais, sejam elas homossexuais ou heterossexuais. Mas acredita que valores de respeito possam ser passados, principalmente para crianças mais novas, como parte do cotidiano. “Assim como temos bonecas japonesas, negras, também podemos ter, por que não?, bonecas homossexuais”, sugere.
Bryan se tornou ferrenho defensor da causa gay e decidiu postar suas impressões da vida no blog "Invertendo Valores". Para ele, o momento é mesmo de uma campanha um pouco mais massiva nas escolas para “tirar” o preconceito que já existe. “É natural que se fale hoje de forma mais agressiva, assim como ocorreu com os direitos das mulheres. Depois não será necessário ficar mostrando a questão da homossexualidade toda hora, porque será algo natural; isso aconteceu com os negros, com a causa feminina – não temos mais tanta propaganda dizendo que negros ou mulheres têm direitos iguais, mas houve uma época que a sociedade precisou falar massivamente sobre isso”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário