Um alemão decidiu passar 40 dias falando apenas a verdade. Sua experiência levou ao questionamento: a verdade é sempre essencial?
Para a maioria das pessoas, ser totalmente sincero durante o dia a dia é uma experiência quase impossível: é comum mentir cerca de 200 vezes por dia, de acordo com o livro “Sincero” (editora Verus), do jornalista alemão Jürgen Schimieder. Nele, o autor relata sua experiência de ficar 40 dias sem mentir: colegas se afastaram, ele discutiu com a mulher, perdeu dinheiro e teve as costelas quebradas pelo melhor amigo. “Foi muito doloroso e me ensinou a não fazer isso de novo nunca mais: amigos são mais importantes do que ser sincero”.
Como lidar com a mentira dos filhos
As costelas quebradas se devem ao fato de Jürgen ter contato à namorada do melhor amigo que ela estava sendo traída – o amigo perdeu a namorada e respondeu com um soco quando soube que foi por causa da sinceridade de Jürgen. No trabalho, muitas pessoas se ofenderam com a experiência do jornalista. “Alguns colegas ainda não falam comigo porque eu disse que eles são maus funcionários e deveriam ser mandados embora”, conta Jürgen.
O banho de honestidade não tem só de maus momentos: numa partida de pôquer com os amigos, ele contou quais cartas estavam na sua mão e ninguém acreditou. “Foi muito divertido – e ganhei um monte de dinheiro. Recomendo ser sincero por uma noite com seus amigos, você vai se divertir muito”. Mas ele confessa que, no geral, se sentiu um idiota quase todos os dias do projeto. “Tive que dizer coisas que normalmente ninguém ousaria dizer. Fiquei constrangido o tempo todo.”
Precisa ser grosso?
Descontados os exageros, ele aprovou a experiência. “Descobri o quanto a mentira realmente magoa as pessoas. Se todos fossem um pouquinho mais sinceros, o mundo seria melhor”, diz Jürgen. “Acredito que podemos parar de mentir pelo menos metade do tempo.”
O experimento passou por várias fases: sinceridade grosseira, sinceridade dita de forma gentil, fria, e até como uma crítica construtiva. Envolveu desde dizer que não gostou da comida num jantar a não omitir nenhum tipo de informação na declaração de imposto de renda, ainda que isso significasse ter uma restituição menor.
Criança pequena não mente, fantasia
Uma das lições aprendidas por Jürgen é que há vários jeitos de ser sincero. “Se um colega não é muito bom no seu trabalho, você não precisa insultá-lo, mas pode dizer a verdade de forma respeitosa.” Para Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá, professora da Faculdade de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o problema não está na verdade, mas na maneira como ela é dita. “Verdade é sempre benéfica e faz bem. Mesmo que a pessoa não goste de ouvir, é preciso para que ela tenha um espelho do que faz”, acredita.
Verdade como agressão
Muito do que é chamado de falta de sinceridade são apenas filtros sociais que tornam a convivência possível, para Antonio Carlos Amador Pereira, professor do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica. “Somos educados para tê-los, para evitar situações constrangedoras, como não afetar o astral ou autoestima do outro. E quem é extremamente sincero e se gaba disso geralmente não tem essa sensibilidade.”
Em outras palavras, vai além de dizer a verdade: muitas vezes, a informação crua está permeada de impressões pessoais. Um vestido pode ser bonito, mas ficar péssimo no corpo da pessoa que está pedindo opinião. Aí é preciso ter tato; mas mentir ou omitir uma opinião sincera não ajuda em nada. “Sinceridade e verdade são diferentes, mas existem pessoas que usam a verdade como arma para agredir o outro, e não para informá-lo”, diz Maria Liza. “Tanto quem usa a verdade como quem usa a mentira para causar sofrimento é perverso”.
Traição é sempre culpa do marido?
Benefícios
Segundo Jürgen, um dos maiores benefícios da experiência foi ter conquistado a confiança de sua família e amigos. “As pessoas confiam em mim agora porque sabem: se pedirem minha opinião, vão ter uma opinião sincera. Entre meus amigos, eu sou a pessoa em quem eles confiam. E confiarem em você é uma das coisas mais fantásticas da vida”, afirma.
Ele afirma que também ficou mais aberto à sinceridade dos outros. “As pessoas querem ouvir a verdade desde que ela seja positiva. Eu descobri que mentia muito sobre mim, dizendo a mim mesmo que era atraente, bem-sucedido e bacana. Mas percebi que talvez as pessoas não achem”, diz.
Apesar de destacar seus piores momentos no livro – “achei que seriam mais engraçados de ler”, diz Jürgen – ele afirma que a relação com as pessoas ao redor melhorou, principalmente com a esposa. “Não sei se me tornei uma pessoa melhor, mas certamente uma pessoa diferente de quem eu era. Ainda sou um babaca às vezes, e às vezes um cara legal”, diz.
Mulheres são contra traição, mas solidárias às amantes
Traição na própria cama: poucos perdoam, ninguém esquece
Para Maria Luiza, da UERJ, vale a pena insistir na sinceridade. “A humanidade acaba colocando panos quentes na mentira, por meio do cinismo perverso. Aos poucos, isso mina seus relacionamentos afetivos. As pessoas param de confiar umas nas outras, você não sabe nunca qual a intenção da pessoa, e as relações sociais ficam muito ruins”, afirma.
Ou seja, é um investimento de longo prazo. “Aprendi que, ao ser sincero, num primeiro momento as pessoas ficam loucas, mas acabam gostando, porque passam a confiar em você mais do que antes”, acredita Jürgen.
Nenhum comentário:
Postar um comentário