BRASÍLIA, Brasil – O Supremo Tribunal Federal (STF) há muito tempo se vê como um bastião dos bons modos e da formalidade. Os juízes se chamam de "vossa excelência", vestem mantos ondulantes e envolvem cada declaração com grandiloquência, como se pouca coisa tivesse mudado desde a época em que marqueses e duques dominavam vastas plantações.
BRASÍLIA, Brasil – O Supremo Tribunal Federal (STF) há muito tempo se vê como um bastião dos bons modos e da formalidade. Os juízes se chamam de 'vossa excelência', vestem mantos ondulantes e envolvem cada declaração com grandiloquência, como se pouca coisa tivesse mudado desde a época em que marqueses e duques dominavam vastas plantações.
Contudo, quando o presidente do STF, Joaquim Barbosa, 58 anos, entra a passos largos na corte, as dez outras excelências se preparam para o que pode acontecer.
Em uma briga televisionada, Barbosa questionou a outro juiz se este estaria no STF não fosse a indicação do primo, ex-presidente que sofreu impeachment em 1992. Outro juiz foi censurado por Barbosa pelo que este considerou como tom condescendente, dizendo que não era seu 'capanga'.
Em um de seus momentos mais mordazes, Barbosa, o primeiro e único negro do STF, atacou o sistema jurídico brasileiro como um todo – país onde ainda é extraordinariamente raro que políticos passem um tempo presos, mesmo após serem condenados pelos crimes – alegando que a mentalidade dos juízes era 'conservadora, defensora do status quo e a favor da impunidade'.
'Tenho um temperamento que não se adapta bem à política', disse Barbosa em uma entrevista recente em seus aposentos aqui no STF, um marco modernista de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer. 'É porque costumo falar o que penso.'
Apesar de sua reconhecida falta de tato, ele é a força impulsora por trás de uma série de sentenças sociais liberais que agitaram o sistema, transformando a suprema corte brasileira – e ele em particular – em um novo poder político, sujeito à fascinação popular.
Mauricio Lima/The New York Times
Entre as decisões recentes do STF estão o reconhecimento unânime de manter a política de admissão da Universidade de Brasília, destinada a aumentar o número de estudantes negros e indígenas, abrindo caminho para uma das leis de ação afirmativa mais abrangentes do Hemisfério Ocidental em favor da educação superior.
Em outra atitude, Barbosa usou a influência como presidente do STF e do grupo responsável por supervisionar o judiciário para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país. E em uma cruzada contra a corrupção, ele supervisiona o julgamento marcante de figuras políticas importantes do Partido dos Trabalhadores, no governo, por seus papéis em um amplo esquema de compra de votos.
Chegar ao STF e levar a instituição a afirmar sua independência, parecia um objetivo distante demais para Barbosa, mais velho de oito filhos e criado em Paracatu, cidade pobre do Estado de Minas Gerais, onde o pai trabalhou como pedreiro.
Porém, sua notoriedade – não apenas no tribunal como também nas ruas – está tão bem estabelecida que máscaras com seu rosto foram vendidas no Carnaval, músicos amadores compuseram canções a respeito de sua condução do julgamento de corrupção e publicaram no YouTube, e manifestantes durante os gigantescos protestos de rua que abalaram a nação neste ano declararam a pesquisas de intenção de voto que Barbosa figurava entre suas principais preferências para as eleições presidenciais do ano que vem.
Embora os protestos tenham continuado desde o auge em junho, persiste o tumulto político desencadeado por eles. Se antes se considerava que a disputa presidencial seria ganha de lavada pela atual presidente, Dilma Rousseff, agora ele se mostra indefinida, com Barbosa – que chama tanto a atenção do público que os colunistas sociais estão acompanhando seu romance com uma mulher de 20 e poucos anos – afirmando repetidas vezes que não concorrerá.
'Não sou candidato a nada', ele afirma.
Mauricio Lima The New York Times
Porém, o mesmo resplendor público que o transformou em celebridade também o queimou. Embora tenha ganhado ampla admiração pela condução da suprema corte, Barbosa, como qualquer outra figura política de destaque no Brasil, enfrenta análises minuciosas. Para alguém acostumado a criticar os chamados supersalários recebidos por membros do sistema jurídico, as revelações o colocaram na defensiva.
Uma reportagem no noticiário brasileiro descreveu como ele recebeu cerca de US$ 180 mil em pagamentos por licenças-prêmio durante seus 19 anos como promotor público. (Tais pagamentos são comuns em algumas áreas da grande burocracia pública brasileira). Outra reportagem comentou que ele comprou um apartamento em Miami por meio de uma empresa de responsabilidade limitada, sugerindo uma tentativa de pagar menos impostos sobre a propriedade.
Em declarações, Barbosa afirma não ter feito nada de errado.
Em um país onde a maioria das pessoas agora se define como negras ou mulatas, mas onde os negros continuam sendo extraordinariamente raros nos altos escalões das instituições políticas e corporações, a trajetória de Barbosa e seus modos abruptos geraram tanto ampla admiração quanto uma boa dose de resistência.
Quando adolescente, Barbosa se mudou para a capital, Brasília, indo trabalhar como faxineiro em um tribunal. Contra todas as chances, ele entrou na Universidade de Brasília, o único estudante negro no curso de direito de então. Mais tarde, ele conseguiu ser aprovado para o serviço diplomático brasileiro, que imediatamente o levou a Helsinque, a capital finlandesa às margens do Mar Báltico.
Sentindo que não avançaria muito no serviço diplomático, que ele qualificou de 'uma das instituições mais discriminatórias do Brasil', Barbosa optou pela carreira como promotor público. Ele se alternava entre investigações jurídicas no Brasil e estudos no exterior, ganhando fluência em inglês, francês e alemão, além do doutorado em direito pela Universidade de Sorbonne, Paris.
Fascinado pelos sistemas legais de outros países, Barbosa escreveu um livro sobre a ação afirmativa nos Estados Unidos. Ele ainda expressa admiração por figuras como Thurgood Marshall, o primeiro negro da Suprema Corte dos EUA, e William J. Brennan Jr., que durante anos representou a visão liberal da Suprema Corte, claramente servindo de inspiração enquanto levava o STF a decisões sociais liberais.
Mesmo assim, nenhuma decisão levou Barbosa a crescer tanto na imaginação pública brasileira quanto a condução do julgamento de políticos, legisladores e banqueiros considerados culpados em um escândalo de corrupção labiríntico chamado mensalão, em função dos pagamentos dados a políticos em troca de votos.
Em novembro, a pedido de Barbosa, o STF sentenciou algumas das figuras mais poderosas do Partido dos Trabalhadores a anos de prisão pelos crimes no esquema, incluindo suborno, formação de quadrilha, sacudindo um sistema político no qual a impunidade dos políticos tem sido a norma.
Agora o julgamento do mensalão está entrando no que pode ser sua fase final e Barbosa por vezes se mostrou exasperado com réus já considerados culpados e sentenciados, mas que conseguiram evitar ser presos. Ele entrou em conflito com outros juízes durante o exame de um procedimento jurídico raro no qual apelações sobre votações encerradas na STF são examinadas.
Ao perder a paciência com um juiz de renome, Ricardo Lewandowski, que tentou absolver alguns réus de determinados crimes, Barbosa o acusou publicamente, em agosto, de fazer 'chicanas' ao recorrer ao juridiquês para sustentar certas posições. Seguiram-se protestos entre quem não suportou ver Barbosa falar daquela forma com um colega juiz.
'Quem o ministro Joaquim Barbosa pensa que é?', perguntou Ricardo Noblat, colunista do jornal 'O Globo', questionando se Barbosa estava qualificado para presidir o STF. 'Que poderes ele julga ter só porque está sentando na cadeira do presidente do Supremo Tribunal Federal?'
Barbosa não se desculpou. Na entrevista, ele afirmou que um pouco de tensão era necessária para o tribunal funcionar adequadamente.
'Sempre foi assim', ele disse, afirmando que discussões agora eram mais fáceis de ver porque os julgamentos são televisionados.
Ligando o trabalho do STF à recente onda de protestos, ele explicou que discordava veementemente da violência de alguns manifestantes, mas também disse acreditar que os movimentos das ruas eram um 'sinal de exuberância da democracia'.
'As pessoas não querem assistir passivamente e observar esses arranjos da elite, que sempre foram a tradição brasileira.'
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