segunda-feira, 2 de maio de 2011

Músicas pop revelam a vaidade de uma geração

Depois de uma análise de três décadas de hits, psicólogos alegam ter encontrado uma tendência em direção ao narcisismo
Alguns anos atrás, enquanto seus colegas psicólogos debatiam se o narcisismo estava ou não aumentando, Nathan DeWall ouvia Rivers Cuomo entoar uma melodia familiar de século 19. O líder e guitarrista da banda Weezer chamou aquela canção de “Variations on a Shaker Hymn” (Tradução livre: “Variações de um Hino Shaker”). Enquanto os religiosos shakers do século 19 cantavam “Tis the gift to be simple, ’tis the gift to be free” (“Este é o dom da simplicidade, este é o dom da liberdade”), Cuomo fazia sua versão da letra: “I’m the meanest in the place, step up, I’ll mess with your face” (“Eu sou o mais cruel do pedaço, Eu vou te causar problemas”).
Ao invés da mensagem shaker de amor e humildade, Cuomo repetia sem parar a frase “I’m the greatest man that ever lived” (“Eu sou o homem mais importante que já existiu”).
O refrão deixou DeWall perplexo: “Quem cantaria isso em voz alta?”. Cuomo poderia até estar parodiando a grandiosidade de outros cantores – mas, mais uma vez, por que tanta grandiosidade presente na paródia? Seria a transformação da canção “Simple Gifts” (“Pequenos Dons”) em “Greatest Man That Ever Lived” um exemplo de uma tendência mais ampla?
Depois de uma análise linguística computadorizada de três décadas de canções de sucesso, DeWall e outros psicólogos alegam ter encontrado o que procuravam: uma tendência estatisticamente significativa em direção ao narcisismo e à hostilidade na música popular. Como já supunham os psicólogos, os pronomes “Eu” e “Mim” e termos relacionados à raiva aparecem com mais frequencia, ao mesmo tempo em que existe um declínio dos pronomes “Nós” e “Nos” e de termos que expressam emoções positivas.
“Os adolescentes e universitários de hoje amam muito mais a si mesmo”, diz DeWall, psicólogo da Universidade de Kentucky. Seu estudo englobou letras de canções de 1980 a 2007 de diversos gêneros, para evitar que os resultados fossem distorcidos pela popularidade crescente, por exemplo, do rap e do hip-hop.
Definir a personalidade de toda uma geração através de letras de canções pode parecer um pouco limitado, mas DeWall aponta para pesquisas realizadas por seus colegas de estudo que mostram pessoas da mesma faixa etária com pontuação semelhante na avaliação do narcisismo através de testes de personalidade. A extensão e o significado desta tendência despertaram discussões incensadas entre psicólogos. Alguns deles questionam mesmo a utilidade dos testes e dizem que os jovens de hoje não são mais egocêntricos do que as gerações passadas.
O novo estudo sobre as letras de canções certamente não porá fim ao debate, mas sem dúvidas ele oferece outra forma de graduar o egocentrismo: a lista das 100 músicas mais vendidas da Billboard. Os pesquisadores constataram que as canções de sucesso nos anos 80 tinham maior probabilidade de enfatizar o “final feliz”, como a harmonia racial almejada por Paul McCartney e Stevie Wonder em “Ebony and Ivory”, ou a exuberância em grupo promovida pela banda Kool & the Gang, que cantavam: “Let’s all celebrate and have a good time”. Diana Ross e Lionel Ritchie falaram sobre os dois corações que batem como um só, em “two hearts that beat as one”, e a canção “(Just Like) Starting Over”, de John Lennon, enfatizava a importância da vida a dois (“our life together”).
De acordo com a análise linguística dos pesquisadores, as canções de hoje costumam ser sobre uma única pessoa muito especial: o cantor. “I’m bringing sexy back”, proclamava Justin Timberlake em 2006. No ano anterior, Beyoncé triunfantemente anunciava seu sex-appeal. E Fergie, que se gabava de seu poder sexual enquanto cantava com o Black Eyed Peas, em seguida lançou um álbum solo no qual dizia a seu amante que precisava de um tempo só para ela.
Narcisismo
W. Campbell e Jean M. Twenge, co-autores ao lado de DeWall, publicaram em 2009 o livro “The Narcissism Epidemic”, no qual argumentam que o narcisismo é cada vez mais predominante entre os jovens – e possivelmente também entre pessoas de meia idade, embora seja difícil afirmar isso porque grande parte dos dados disponíveis são de universitários.
Há várias décadas, estudantes vêm respondendo a um questionário intitulado "Inventário da Personalidade Narcisista", no qual devem optar entre uma das duas afirmações: “Tento não ser um exibicionista” e “Sempre que tenho a oportunidade, tento aparecer”. De acordo com uma análise de dados conduzida por Twenge e Campbell entre universitários, o nível de narcisismo avaliado por estes questionários vem subindo desde o início dos anos 80.
Durante este período, foram também relatados altos índices de solidão e depressão – o que pode não ser uma coincidência, na opinião dos autores do estudo sobre as letras de canções. Tais pesquisadores, dentre eles Richard S. Pond, da Universidade de Kentucky, ressaltam que o narcisismo já foi relacionado à raiva e a problemas em manter um relacionamento. A análise das canções mostra uma queda no número de palavras relacionadas a conexões sociais e emoções positivas (como “amor” e “querido”) e um aumento no número de palavras relacionadas à raiva e a comportamentos antissociais (como “odiar” e “matar”).
Amor
“Nas letras do início dos anos 80, o amor era fácil e positivo, e envolvia duas pessoas. As canções mais recentes são sobre o que o indivíduo quer, e como ele ou ela se decepcionou e se enganou”, diz Twente, psicóloga da Universidade Estadual de San Diego.
É claro que, de forma amadorística e não-científica, é possível encontrar de tudo um pouco em letras de canções - de qualquer época. Nunca foi dito que os Rolling Stones eram bonzinhos e fofinhos. Em “Sympathy for the Devil”, o diabo consegue o que merece cantando em primeira pessoa. Em 1989, Bobby Brown se gabava que ninguém podia lhe dizer o que fazer em “My Prerogative”, canção sobre sua magnitude.
Cantores da música country americana sempre tiveram seus momentos de egocentrismo e auto-piedade. Mas, as letras clássicas, que dizem que alguém sempre fez algo de errado ao próximo, não são necessariamente alusivas à raiva. Quando Hank Williams cantava “Your Cheatin’ Heart” ela não estava falando de detonar o carro da amada, como em “Before He Cheats”, de Carrie Underwood.
Alguns psicólogos são céticos sobre traços básicos de personalidade que podem mudar muito de uma geração para outra (ou de uma cultura para outra). Mesmo se os estudantes de hoje apresentam maior pontuação em testes de narcisismo, tais céticos dizem que isto pode acontecer simplesmente porque os estudantes de hoje estão mais abertos para admitir sentimentos que sempre existiram.
Twenge aceita que os estudantes de hoje sentem-se mais confortáveis em admitir que concordam com as afirmações do questionário, como “Eu serei uma pessoa importante” e “Eu gosto de me ver no espelho”. Mas ela diz que distorções sistemáticas de si mesmo provavelmente não são a única razão para as respostas diferentes e, de qualquer forma, esta disposição para gabar-se representa uma importante mudança cultural.
A análise das letras de canções, publicada no periódico Psychology of Aesthetics, Creativity and the Arts, ocorreu até o ano de 2007, o que a torna bastante atual para os padrões científicos. Mas, para os padrões da musica pop, 2007 é uma eternidade. Poderia o narcisismo ter apresentado uma queda desde então?
Para se ter certeza, seria necessária uma análise linguística computadorizada, mas também não existem razões para duvidar disso. Em 2008, mesmo ano do lançamento de “Greatest Man That Ever Lived”, da banda Weezer, Little Jackie teve sucesso com a canção “The World Should Revolve Around Me” ("O mundo deveria girar ao meu redor"). A lista atual da Billboard inclui a ode cômica de Cee-Lo Green à hostilidade com seu refrão impublicável, assim como o hino de Keri Hilson em louvor à sua própria beleza.
Não importa se os cantores realmente queriam expressar o que diziam, mas é óbvio que existe um mercado para sentimentos deste tipo.
“A cultura não vai ser mudada por completo da noite para o dia, tampouco as letras das canções”, disse Tweenga. Mas, ela tem um conselho sensato, que vale ser ouvido, para quem busca uma mudança de si mesmo ou de seus relacionamentos: “Sempre que possível, deixe seu ego fora da situação. É muito difícil fazer isso, mas a perspectiva alcançada é surpreendente. Faça a pergunta a si mesmo: ‘Como eu veria esta situação se ela não fosse sobre mim?’. Pare de pensar em vencer o tempo todo. Um sinal certeiro de que algo pode não ser assim, tão importante, é quando Charlie Sheen fala muito sobre isso”.





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