Elas adoram ser avós, mas, bonitas, bem sucedidas e com vida sexual e afetiva ativa, não se vêem no rótulo de “vovó”
Quando teve a primeira neta, Hilda Feltti Sgarzi tinha 47 anos. Quando a criança começou a falar, ouvia as pessoas chamarem a avó de Hilda, e, repetindo do seu jeito, a corruptela virou “Uda”. A avó adotou o apelido. “Tenho sete netos e oito bisnetos, e todos me chamam de Uda. Os amigos dos netos e bisnetos me chamam assim também”, diz Hilda. Só um prefere “vovó”.
Hoje com 86 anos, é praticamente impossível dissociar o apelido dela, e nem precisa: “Uda” aprova o jeitinho que a neta achou para chamá-la, e que hoje é adotado até pela bisneta de 3 anos. “Nunca achei ruim, porque era carinhoso e bonitinho. Nenhum deles me chama de senhora ou avó. É força do hábito”, conta.
No caso de Hilda, tudo aconteceu de forma espontânea. Mas muitas mulheres que adoram seus netos e a posição de avós se sentem desconfortáveis com o peso de serem chamadas de “vovó”. Culpa do estereótipo de antigamente, quando a vovó era uma velhinha que dava colo e bolo, sim, mas existia muito além disso.
"Glam-ma"
A onda de avós que tomam a iniciativa e inventam apelidos para seus netos adotarem é internacional. Gwyneth Paltrow revelou que sua mãe, a também atriz Blythe Danner, pede aos netos que a chamem de “Woof”. “Ela é gostosa e não quer ser chamada de vovó. Então ela está tentando fazer esse lance de Woof colar”, disse Gwyneth em um programa de tevê. Segundo o jornal “The New York Times”, a atriz Goldie Hawn engrossa o time: em seu livro “O lótus cresce da lama” (não lançado no Brasil), ela fala da dificuldade em abraçar a palavra “avó”. Ela resolveu, junto com seu filho, que preferia ser chamada de “glam-ma”: trocadilho que, em inglês, quer dizer “vovó glamurosa”.
Uma das teses para as avós que adoram o papel, mas não engolem o nome, é que hoje, tornar-se avó vem de supetão, enquanto ela ainda tem carreira, beleza, vitalidade, uma vida afetiva e sexual – características que vão de encontro da velhice e senilidade. “Ser avó é tido como algo maravilhoso, mas significa que você não vai mais ter filhos, e que a coroa passou para sua filha”, diz Dorli Kamkhagi, doutora em Psicologia Clínica e Mestre em Gerontologia pela PUC – SP. “Tive meu primeiro neto com 54 anos, e tive amigas que pediam ao neto para chamar por apelido. Algumas pessoas não se preparam para viver a maturidade”, afirma. “As avós não são mais mulheres envelhecidas de touquinha, fazendo tricô. Estão bombando na academia, vivendo a vida delas. É uma redefinição do papel da avó.”
Vovô
O fenômeno não é exclusivamente feminino. A juíza de paz Elizabeth Pinheiro lembra que o pai de seu ex-marido não gostava quando a filha do casal o chamava de avô. “Ele pedia que minha filha o chamasse de tio, porque ele achava que, se ela o chamasse de “vô”, os outros iriam achar que ele era muito velho”, diverte-se. “O pior é que ele era já bem idoso mesmo. Eu insistia com minha filha para chamá-lo de avô, e ela me obedecia. O homem ficava possesso”, diz Elizabeth. “Pode ser carinhoso. Mas a cultura da juventude eterna interfere. Em vez de chamar de vovó, talvez inventar outro nome e chamar de um jeito doce, gostosinho, adoce o ser avó. Uma avó não é objeto de desejo, e isso dói”, afirma Dorli.
A graça de ser a vovó
A psicóloga e terapeuta Marcia Jorge já viveu isso com sua mãe, recentemente. “Ela tinha 58 quando nasceu minha sobrinha e se achava uma menina. É super jovem, tem corpão, e dizia que não queria que a chamassem de ‘vó’”, conta Márcia. Mas foi só o bebê nascer que a avó nasceu junto. “Agora ela leva numa boa”. “Existe um preconceito grande contra as pessoas mais velhas. No imaginário coletivo, elas não têm mais utilidade”, afirma a psicóloga. Ela acredita que a nomenclatura não muda os fatos. “É querer enfeitar frango com pena de pavão. Avó é avó. Ser chamado de avó e avô mexe com a vaidade”, diz. Ela se diverte com o fato de que, depois de virar avó capricha nas roupas quando vai visitar a neta ou vai a festinhas de criança. “Ela usava roupa colada no corpo, em especial um macacão jeans que eu, que tenho 30 anos, não uso. Era a roupa de ver a netinha, de autoafirmação”, conta.
No fim, a tendência é o apelido funcionar até os avós “comprarem” a ideia de serem chamados como tais. “A troca de amor e convivência com o neto derruba isso”, acredita Márcia. “Não é saudável negar que o neto te chame de vovó. Quando ela ensina os netos a falarem vovó, está dando um sentimento de pertencer a família, ligar. Ela mesma perde essa oportunidade. Poder viver esse lugar de avó é importantíssimo. Não exclui as outras dimensões vivas da mulher. A avó é quem transmite os legados.”
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