Déborah e Rafael vieram primeiro – e a participação deste na adoção de Bruno foi crucial
Yara Minelli pensava em adoção desde cedo. Tanto que chegou até a desmanchar namoros por conta do assunto quando era mais nova. Ainda bem: não fosse por isso, deixaria de conhecer o marido, paizão de seus três filhos, Déborah, Rafael e Bruno. Os dois primeiros foram entregues a ela pela mãe biológica, paciente terminal de aids, com a promessa de que os irmãos ficariam juntos para sempre. Mais tarde, o terceiro filho chegou por iniciativa do primeiro, que se viu comovido diante de um bebê praticamente intocado no Equador.
“Eu sempre quis adotar, mas ficávamos fazendo corpo mole, até ficar sabendo da história da Déborah”, conta. A menina tinha 12 anos e sua primeira mãe, como Yara faz questão de chamar, estava muito doente. Depois de conversar com o marido, acertou que iria procurá-la para mostrar seu interesse. No meio do caminho, no entanto, uma surpresa: ela tinha um irmão menor, de apenas quatro anos. “Falei com o meu marido novamente e ele disse que iríamos adotar os dois, ou nenhum”. Deram início ao processo, foram à vara, conversaram com a psicóloga. Mas faltava a destituição do pátrio poder do pai de Déborah, que a Justiça não conseguia encontrar. “Demoramos para encontrá-lo, pois minha filha só lembrava o caminho a pé, era outra cidade: o pai adotivo dirigia o carro enquanto ela andava pelo bairro para mostrar onde ele poderia estar”. Encontraram o pai biológico, que foi até a vara assinar os documentos para a destituição do pátrio poder depois de uma semana.
Mas Déborah estava resistente e pretendia morar com a avó. “O velório da mãe dela tinha acabado de acontecer e eu não queria forçar sua vinda”, ressalta Yara. “A avó a deixava fazer tudo, ela ficava na rua até tarde, então eu a tirava de sua zona de conforto”. Foi quando a própria psicóloga argumentou: eles deveriam decidir quando a menina estaria pronta para entrar na família – era necessário dar um ultimato, após seis meses de vai-e-vem. No começo, a adolescente era turrona e mal-criada, admite a mãe. “Cheguei a pensar que era porque a tinha adotado com 12 anos, mas então o que tinha quatro fez 12 e eu vi que foi igualzinho: era a adolescência, a fase da contestação, e ser igual aos pais não é 'legal'”.
Anos se passaram e a família se mudou para o Equador. Lá, Rafael, que estava na escola secundária, começou a fazer trabalho voluntário em um hospital infantil, trabalhando com mães e filhos na estimulação de crianças. Conheceu Bruno, um bebê com hidrocefalia que ficava praticamente abandonado no berço. “Mãe, ele está sozinho, mãe, ele não tem meia... Mãe, ele é tão lindo...”, dizia ele para Yara, que preferia não dar muita brecha ao assunto. Rafael estimulou o futuro irmão durante um mês, fazendo com que a criança que praticamente não se movia começasse a virar de bruços e reagir. Chegando ao hospital para assinar os documentos relativos ao serviço prestado por Rafael, Yara foi levada até o berço do menino. “Quando vi aquele bebezinho cabeçudo com o bumbum para cima, debaixo do ar condicionado, liguei para o meu marido, que na hora topou uma nova adoção!”, conta a mãe.
O processo não foi nada simples. A assistente social encaminhou Yara até a assistente do estado, que determinou que a adoção só seria viável caso a família ficasse no país por pelo menos três anos. Embora o menino estivesse abandonado no hospital por quase sete meses, a equipe reconhecia a possibilidade dos pais biológicos aparecerem para levá-lo para casa. Mesmo diante do risco, Yara aceitou acolher Bruno. Em dois meses a documentação estava em ordem e a família saiu com o bebê do hospital. A adoção definitiva só ocorreu dois anos depois. “Passei tantos apuros no fórum, mas quando peguei o papel na mão vi que valeu a pena: foi a coisa mais maravilhosa do mundo”, diz ela. “Eu estava tão feliz que abraçaria até o diabo!”.
Olhando para trás, Yara reconhece que cometeu alguns erros. “Fiz muita besteira, mas hoje eu sei como se faz, e estamos aqui por eles”, ressalta ela, que atualmente mora em São Paulo. “Mas não posso culpar meus filhos pelos problemas que apareceram. Assumir que não quer adotar é uma coisa, mas colocar a culpa na criança por não ter dado certo é uma maldade. Aqui, pensamos que se não der certo de um jeito, dá de outro”. Dito e feito. A mãezona coruja fala orgulhosa dos filhos e seus sucessos: a mais velha é psicóloga formada pelo Mackenzie, o do meio cursa Medicina na Colômbia e o caçula corre saudável no pátio da escola ao lado dos amigos. Exemplos clássicos de que, para se desenvolver, muitas vezes a criança precisa apenas do toque de uma mão amiga e do amor incondicional dos pais.
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