Quem pensa no lar dos sonhos põe muitas coisas na conta: luminosidade, o tamanho dos cômodos, a localização, a existência de uma varanda gostosa ou de uma área de lazer agradável no condomínio. Mas não passa pela cabeça de ninguém conferir se algum dos seus vizinhos seria capaz de atirar copos de vidro no seu jardim ou deixar fezes humanas na sua porta.
Lia Coldibelli, 30 anos, coordenadora de conteúdo em uma produtora de vídeo, também não se preocupou com isso. “Aluguei uma casa com um quintal delicioso. Até que minha vizinha começou a dizer que nós ficávamos muito na parte de fora de casa e que isso a incomodava”, conta. A partir daí, não pararam as reclamações, incluindo a acusação de que Lia era garota de programa, por receber muitas pessoas em casa. “A imobiliária sempre esteve do meu lado, pois conhecia o histórico desses vizinhos”, diz a produtora de vídeo.
Lia colecionou e-mails grosseiros e maus- tratos, até decidir procurar uma nova casa. Pouco antes de mudar-se, convidou dois casais para uma pizza (dentro de casa, justamente para não incomodar). “Os vizinhos deviam estar alucinados, pois jogaram um copo de vidro no meu quintal. Saí e os vi arremessando um vaso que quase me acertou”, desabafa. “No dia seguinte acordei e tinha fezes humanas na porta da minha casa. Adivinha quem jogou?” Ela mudou de casa e hoje diz ter vizinhos ótimos.
Quem mora em casa não tem uma instância superior para recorrer, como um síndico. Por outro lado, nos condomínios, a proximidade dos apartamentos torna a relação entre vizinhos potencialmente mais explosiva. “O boom imobiliário faz as queixas aumentarem”, diz o advogado Fernando Zito, sócio do escritório Rachkorsky Advogados Associados, especializado em direito condominial. “Muitas pessoas que se mudam para prédios cresceram em casa e não têm cultura de condomínio”, diz o advogado. A situação só piora com os avanços tecnológicos que permitem lajes mais finas e, portanto, mais permeáveis a ruídos.
Há acusações mais fáceis de arbitrar que outras. Uma festa com volume muito alto num apartamento pode ser facilmente comprovada pelo síndico após uma chamada pelo interfone. Outras queixas, no entanto, podem ser difíceis de comprovar e controlar, como uma reclamação de que um cachorro late o dia inteiro ou que a vizinha de cima fica horas à noite andando de salto alto pela casa. Como o morador incomodado que reclama nem sempre apresenta provas, sobra para o síndico arbitrar o conflito.
Em caso de disputas, a mediação é do síndico
“Às vezes um morador está bravo com outro e faz uma acusação. O síndico precisa ter jogo de cintura, porque muitas vezes a solução depende da postura dele”, afirma Fernando. Para as mediações darem certo, é preciso também ter na ponta da língua as regras de convenção do condomínio e o regulamento interno. Isso vale para assuntos que regem a vida comum, como regras para horários e locais onde é permitido fazer barulho, alterações na fachada, uso de elevadores e vagas na garagens, com multas previstas em caso de infração.
Nos casos em que a reclamação é cabível, tanto para quem acusa quando para quem quer se ver livre da acusação, vale convocar testemunhas (como o próprio síndico) nos horários e situações de queixa. Provas são importantes: cheiros, infiltrações e ruídos precisam ser documentados. “O síndico tem que ter a cautela de verificar as acusações: perguntar para o vizinho ao lado, conferir se houve um exagero do reclamante. Às vezes a pessoa prejudicada filma ou chama escrevente de cartório das 9h às 23h para comprovar numa ata notatorial que houve barulho vindo de um apartamento”, diz Fernando.
Nas convenções de condomínio já existe a figura do 'condômino antissocial'Para dar conta de casos extremos, já existem convenções de condomínio que tratam da figura do condômino antissocial. “É o que desrespeita a norma sistematicamente”, diz o advogado. Não adianta multar: quase sempre, é um condômino que está em atraso com o condomínio e simplesmente deixa as multas se acumularem. “Existem ações na Justiça para expulsar esse tipo de morador de condomínio. O dia em que acontecer uma decisão judicial para afastar o morador que não consegue viver em coletividade, vai ser uma revolução, porque todo o condomínio tem alguém com esse perfil”, diz Fernando.
Para viver numa comunidade, é preciso ser flexível. Márcia Romão, gerente de atendimento ao cliente da Lello Condomínios, acredita que faz parte encarar um latido ou outro, ou aqueles minutinhos em que o salto da vizinha arrasta no piso quando ela chega em casa. “Tem que bancar um pouco o psicólogo também, tentar descobrir qual morador de um apartamento é a melhor pessoa para resolver conflitos.”
É preciso respeitar o vizinho que tem um estilo de vida diferente do seu
Muitas vezes o exagero da reclamação é resultado da falta de empatia “É natural uma pessoa que não tem filho reclamar de criança ou quem não gosta de animais reclamar de quem tem cachorro”, diz Márcia. Para melhorar essas relações, ela também aposta na figura do síndico. “Aquele que tenta integrar consegue estimular uma relação saudável. Dá muito resultado fazer confraternizações no condomínio, como festa junina ou Natal.”
Há conflitos que extrapolam a regulação interna do condomínio. Um dano no carro do vizinho, por exemplo, ou um vazamento que não envolva a coluna d'água do prédio. Esses devem ser resolvidos entre as partes.
Se o diálogo não resolver, resta recorrer à polícia, para evitar um prejuízo maior. “Recomendo fazer um boletim de ocorrência e, se continuar o problema, sobretudo para quem mora em casas, entrar com uma ação judicial no tribunal de pequenas causas”, avalia Fernando
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