Decisão de multar pais de SC levanta o debate: a punição é justa ou pode prender crianças a pais que não as querem?
Como tratar os pais que, às vezes após anos, desistem de uma adoção?
Não dá simplesmente para desistir de ser pai ou mãe. Quem tira o
poder familiar de alguém é o Poder Judiciário. Esse pelo menos é o
entendimento da justiça brasileira. Mas a realidade não é tão bem
definida quanto a lei. Alguns pais decidem que não querem ou não podem
mais conviver com seus filhos, sejam eles biológicos ou adotados.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina divulgou, na última semana, a
decisão do desembargador Joel Dias Figueira Junior, que condenou um
casal da cidade de Gaspar, no Vale do Itajaí, a pagar R$ 80 mil por
danos morais para dois irmãos, de nove e 13 anos, que haviam sido
adotados pela família.
Segundo o processo, o casal adotou um menino e uma menina, mas na
verdade só queria a menina. A lei de adoção é contra a separação de
irmãos e, diante disso, aceitaram levar também o menino. Seis anos
depois da adoção, o casal tentou devolver o garoto. A justiça de Santa
Catarina retirou do casal a guarda das duas crianças e o condenou a
pagar a multa.
A decisão de cobrar a indenização de um casal que devolveu um filho
adotado - ainda que indiretamente, através da compensação por danos
morais - levanta a discussão: o que é pior para a criança: ser devolvida
e passar por um novo processo de abandono ou permanecer em um lar
hostil, onde não é aceita e amada? Será que punições aos pais que
devolvem seus filhos poderiam ter o efeito colateral de inibir os que se
encontram nessa situação fazendo-os recuar da decisão de abrir mão do
filho, que pode se tornar uma vítima de maus-tratos dentro de casa?
Arrependimento
“Entendo que está longe de ser o ideal, mas acontece o arrependimento em uma adoção. O nosso foco é a criança e, se ela permanecer em uma relação com falso vínculo, terá uma experiência negativa”, afirma o juiz da Vara da Infância e Juventude de Osasco Samuel Karasin. Ele enxerga na permanência dessa criança em um ambiente que não lhe é favorável um sinal de que ela pode estar em risco. “Quem não devolve um filho adotado porque não quer ir preso ou ser punido não necessariamente vai cuidar bem.”
“Entendo que está longe de ser o ideal, mas acontece o arrependimento em uma adoção. O nosso foco é a criança e, se ela permanecer em uma relação com falso vínculo, terá uma experiência negativa”, afirma o juiz da Vara da Infância e Juventude de Osasco Samuel Karasin. Ele enxerga na permanência dessa criança em um ambiente que não lhe é favorável um sinal de que ela pode estar em risco. “Quem não devolve um filho adotado porque não quer ir preso ou ser punido não necessariamente vai cuidar bem.”
Apesar de também achar que não é do interesse da criança
permanecer com uma família que não deseja mais o convívio com ela, o
presidente da Comissão Especial de Direito à Adoção da OAB de São Paulo
Carlos Belini defende a punição dos adotantes. “Eu acho que as punições
deveriam ser severas, inclusive com pagamento de pensão alimentícia pelo
período que for necessário para a criança devolvida. Defendo punição
porque o dano que isso causa é enorme”, diz.
O juiz Samuel Karasin faz questão de lembrar que a devolução de uma
criança adotada em nada difere da pessoa que não quer mais criar um
filho biológico. “Para a justiça, as situações são iguais. Uma criança
adotada tem os mesmos direitos e obrigações de um filho biológico.” Ele
explica que, nos dois casos, existe uma maneira correta de se efetivar a
retirada do poder familiar. “Quem não quer mais um filho deve procurar
um órgão competente como a Vara da Infância e Juventude, que vai tentar
esgotar todas as possibilidades de fazer a relação dar certo. Abrir mão
de um filho é a última opção, depois de se tentar absolutamente tudo
para não chegar a esse extremo. Se a pessoa maltratar, discriminar ou
abandonar uma criança, vai responder por tudo isso na justiça.”
Relação supervalorizada
A psicanalista Maria Luiza Ghirardi fez da devolução de crianças adotadas assunto de sua dissertação de mestrado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, estudar os casos e encontrar os principais motivos para que a devolução ocorra é uma maneira de se evitar que os erros continuem acontecendo.
A psicanalista Maria Luiza Ghirardi fez da devolução de crianças adotadas assunto de sua dissertação de mestrado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, estudar os casos e encontrar os principais motivos para que a devolução ocorra é uma maneira de se evitar que os erros continuem acontecendo.
“Muitas vezes, a criança e a relação com ela são idealizadas, ou
seja, supervalorizadas e, nessas circunstâncias, não se cogita que a
relação poderá apresentar dificuldades”, explica Maria Luiza. Essa
valorização, muitas vezes irreal, cria a ilusão de que a família está
imune aos problemas. Por isso a importância da preparação cuidadosa de
quem desejar adotar, processo que pode demorar anos até ser concluído.
Maria Luiza ressalta que a devolução é mais comum do que se imagina, e
acredita que ela gera mais espanto do que o abandono de um filho
biológico porque é ligada diretamente ao processo de livre escolha que é
a adoção. “A devolução chama muito mais nossa atenção porque se
constitui como uma experiência que reedita o abandono. É desse ângulo
que se enfatiza que as consequências para a criança podem ser
intensificadas em relação aos seus sentimentos de rejeição, abandono e
desamparo.”
A secretária da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA) de
Santa Catarina Mery-Ann das Graças Furtado e Silva explica que os danos
que a devolução causa são, em sua maioria, irreversíveis já que o
tratamento psicológico oferecido às crianças é, muitas vezes,
insuficiente para tratar problemas tão graves. “Além de não ser o
primeiro abandono daquela menina ou menino, o que piora ainda mais é a
culpabilização da criança por sua devolução. Não é nada raro os
adotantes colocarem na criança a culpa pelo fracasso da relação.”
A psicóloga especialista em adoção Cíntia Liana afirma que é comum
essas crianças sofrerem com ansiedade, sensação de insegurança, baixa
autoestima e algumas ficam bastante agressivas. “Tudo isso pode vir
acompanhado de outros comportamentos negativos, que, no geral, podem ser
superados com o devido acompanhamento psicológico.”
Estatística
A secretária da CEJA corrobora a percepção de que as devoluções não são tão incomuns quanto se pensa. “Temos, atualmente, 1600 crianças abrigadas em situação de conflito familiar em Santa Catarina. Quase 10% desse total, mais precisamente 152 crianças, vieram de adoções que não deram certo. É um número considerável.”
A secretária da CEJA corrobora a percepção de que as devoluções não são tão incomuns quanto se pensa. “Temos, atualmente, 1600 crianças abrigadas em situação de conflito familiar em Santa Catarina. Quase 10% desse total, mais precisamente 152 crianças, vieram de adoções que não deram certo. É um número considerável.”
Nesta conta também estão as crianças que não se adaptaram ao estágio
de convivência com a família que desejava adotá-la, período que ocorre
antes da adoção ser finalizada pelo judiciário. “Mesmo durante o tempo
de adaptação isso acontece porque a criança não consegue entender que
não deu certo e que era um período específico para ver se a relação
poderia ser duradoura. Do ponto de vista da criança não deixa de ser uma
devolução”, afirma Mery-Ann
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