sábado, 12 de maio de 2012


Mais do que comum, repetir alguns comportamentos da própria mãe e rejeitar outros é necessário para amadurecer

Virar a própria mãe é como cruzar a fronteira entre dois países em guerra e se descobrir, repentinamente, lutando no exército inimigo. Qual mulher nunca jurou de pés juntos que não ia repetir alguma atitude da mãe e acabou pega justamente fazendo isso? Mas não se aflija: é natural, saudável e faz parte do processo de amadurecimento. Afinal, quem quer ficar eternamente presa na rebeldia da adolescência?

Thinkstock/Getty Images
É inevitável repetir gestos e atos aprendidos com a mãe
“Cada vez mais, estou virando minha mãe”, diz a blogueira Mariana Zanotto, 32 anos, do Minha Mãe que Disse. “São coisas irritantes que ela fazia, e que agora eu faço igual. Sabe aquela coisa da mãe que lambe o dedo e passa na cara do filho para tirar alguma sujeirinha? Eu jurava para mim que nunca ia fazer isso. Agora, me dou conta de que faço igual”, diverte-se. Assistir filmes evidencia a mudança de posição: “Quando comecei a pensar ‘a mãe está certa!’, vi que tinha mudado de lado.”
A “culpa” dessa mudança de perspectiva é de Alice, de 4 e meio, e de Lucas, de 1 ano e 9 meses. “Depois da gravidez, entendi aquela conversa de que tudo que a mãe faz é pelo bem do filho. Comecei a lembrar das coisas que minha mãe dizia quando eu tinha 15, 18 anos, e eu bufava. Hoje, quando lembro, penso: é lógico! Ela estava certa, admiro hoje a sabedoria da minha mãe”, diz Mariana.
A contrapartida é igualmente verdadeira e, muitas vezes, a imagem da mãe mostra o reflexo oposto em vez do idêntico. A avó de Alice e Lucas é muito preocupada com os netos, excessivamente zelosa, do tipo que suspira e não dorme direito – exatamente como fazia com a filha. Mariana tenta ser mais moderada, apesar de reconhecer em si mesma uma preocupação natural de mãe. “Eu sempre fui relax, tranquila, como uma reação ao jeito dela. É um ponto que eu estou conseguindo equilibrar.”
“Não dá para evitar agir como nossa mãe porque ela é nossa primeira referência de como uma mulher age e pensa. Podemos fazer o mesmo ou o oposto, mas são dois lados da mesma moeda. De qualquer forma, estaremos reagindo ao mesmo modelo de mulher”, diz Sandra Reishus, terapeuta sexual e de casais norte-americana, autora do livro “Putz! Virei minha mãe” (Editora Carpe Diem). Aliás, é justamente pela identificação com os papéis de gênero que meninas são muito mais permeáveis à influência da mãe que meninos.
O problema é que nem sempre nos damos conta dessa identificação com a mãe, sobretudo ao repetir ações que consideramos negativas. São tão inconscientes que, muitas vezes o alerta precisa vir de terceiros. “O parceiro ou os filhos são os primeiros a fazerem soar o alarme”, diz Sandra.
Arquivo pessoal
Só depois de ter filhos Mariana percebeu que estava agindo como a mãe
Segundo Sandra, é possível parar de repetir os mesmos erros de nossas mães, mas isso só é possível quando reconhecemos o quanto somos parecidas com ela e o quanto essa influência materna é poderosa em nós. “Em casos mais sérios, esse reconhecimento só ocorre dentro de um processo terapêutico, porque é dificílimo lidar sem ajuda com a profundidade da influência materna e com as várias formas como ela se manifesta na nossa vida.”
A consciência desse ‘telhado de vidro’ materno também chegou na vida de Luíza Diener, 27 anos, engenheira florestal e mãe de Benjamin, de 1 ano e 8 meses. “Amor de mãe você só vai saber quando experimentar”, “Você ainda não entende como eu sinto”, “Quando você tiver filho você vai entender.” Todas essas frases que ela ouvia da própria mãe e achava um exagero agora fazem sentido. “A gente abomina, odeia, fica com raiva dessas frases. Até que se pega falando exatamente assim”, diz Luíza.
Como muitas filhas, quando ela casou, tudo que queria era ter a própria casa, com as próprias regras, tudo do jeito dela. “Só aí você descobre porque existem regras na casa da sua mãe. Você nega umas, aceita outras, mas finalmente entende”, diz Luíza.
A maturidade deixou a engenheira mais compreensiva. Quando criança, achava um exagero o desespero da minha mãe com o quarto desarrumado. “Hoje eu entendo que ela não estava chorando exatamente por causa do quarto. Quando você é adulta, tem muitas responsabilidades e vive pressionada pelo tempo, sente tudo de forma diferente. Já chorei incontáveis vezes com a bagunça, depois de arrumar a casa quatro vezes num mesmo dia e estar tudo de novo fora do lugar de noite. Aí você compreende que não era só por causa de um quarto bagunçado que minha mãe chorava.”
Sandra lembra que é necessário aprender a escapar da influência da mãe para amadurecer. “Se estamos simplesmente repetindo a vida dela, não estamos vivendo a nossa. Leva tempo e maturidade para aprender quem somos e reconhecer nossa capacidade”, diz a terapeuta.
Luíza achou um meio-termo entre ser filha e virar mãe. “A gente tem que fazer um esforço para relembrar da própria infância e conseguir se colocar no lugar dos filhos. Talvez isso ajude a gente a não ficar tão ‘cricri’, a não criar um abismo entre nós e nossos filhos”, diz. “Quero ser uma mãe compreensiva, mas tenho certeza que uma hora meu filho vai falar ‘você não me entende, não sabe nada’. É um esforço para toda a vida não esquecer quem a gente é.”  
Para Mariana, “nunca diga nunca é a grande verdade da maternidade”. Por mais que se sonhe com a maternidade e se façam planos, a história se repete. A família toda ganha quando a relação com os filhos, mais do que um círculo que se repete, é uma espiral que se abre com novas experiências e crescimento.

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