segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Cresce o contágio da aids entre jovens gays e idosos

Homens deixam camisinha de lado e crescem nas estatísticas do HIV
Na sala escura da boate gay e nos encontros marcados após o baile da terceira idade, os homens brasileiros de todas as idades e orientações sexuais têm deixado a camisinha de lado e, por isso, crescido nas estatísticas da aids.
O novo boletim do Ministério da Saúde, que mapeia os casos de contaminação pelo vírus HIV, revela a vulnerabilidade generalizada, impulsionada pelo uso de drogas – seja o ecstasy ou o Viagra.
A proporção de registros entre homossexuais de 13 a 24 anos bateu recorde. Este grupo, em 2010, somou 35,1% do total de infecções masculinas na faixa etária, a maior taxa desde o início da epidemia, em 1980. Simultaneamente, entre os mais maduros, os heterossexuais são maioria dos infectados e acima dos 30 anos representam 43%.
“Não há orientação sexual de risco e sim comportamento perigoso para a aids, muito influenciado pelo abuso de álcool. E os homens, de forma geral, têm negligenciado bastante o preservativo. É um panorama alarmante”, afirma um dos principais infectologistas do País, Artur Timerman, que atua nas redes públicas e privadas de saúde. No último ano, entre seus pacientes, há um casal de 14 e 15 anos, ambos soropositivos e uma senhora de 82 que adquiriu o vírus do marido, de 78 anos.
Evolução de casos em homossexuais em homens entre 13 e 24 anos
Grupo etário está mais negligente com a camisinha. Dados em porcentagem:
Indiferenças
No início do mês, J.F, 31 anos, morreu e o atestado de óbito teve origem na infecção do vírus HIV, descoberta tarde demais para que os coquetéis de remédios fizessem efeitos e revertessem o quadro.
Homossexual - assumido para os amigos e escondido da família - ele sempre teve medo de fazer o teste para confirmar se as transas desprotegidas tinham mesmo resultado na infecção. Emagreceu, mas só quando as diarreias ficaram constantes procurou o médico.
Jovem bem sucedido na profissão de comunicação, solteiro, nunca foi promíscuo, mas também nunca exigiu proteção em suas relações sexuais eventuais, acertadas em maioria nos encontros no centro paulistano - uma das regiões com alta concentração de casas noturnas para o público gay.
Em uma destas boates, inclusive, que conta com o chamado “dark room” (sala escura em que tudo pode acontecer mas onde só entra quem quer) a falta de temor com as doenças sexualmente transmissíveis (DST) fica exposta no chão. “Eles (a casa) até distribuem camisinha para quem vai entrar. Mas os preservativos ficam fechados e lacrados, jogados no fim da noitada e recolhidos pelo pessoal da faxina”, conta um dos frequentadores.
A indiferença com a possibilidade de contrair aids ou qualquer outra DST também marca os encontros dos “cinquentões” heterossexuais. “Minha geração não aprendeu a usar camisinha. Eu, até descobrir ser soropositivo, nunca tinha usado uma vez sequer e tinha uma média de 18 parceiras por ano”, conta S.C., 59 anos, que trabalha com comércio exterior, mora na zona oeste paulistana e é um autodefinido “apaixonado pelas mulheres”.
Agora, ele não só aprendeu a usar medicamentos para a disfunção erétil, como após a ereção garantida, cobri-la com preservativo. “Podia ter aprendido antes. Mas tenho amigos que mesmo acompanhando de perto o meu caso continuam deixando a camisinha como um enfeite na carteira.”
Homens que fazem sexo com mulheres ganham espaço nas estatísticas. Números em porcentagem:
Pré ou pós 80’s
Os maiores de 50 e os menores de 30 fazem parte de gerações que ou eram pequenos demais para lembrar os tempos mais árduos da aids ou já estavam maduros o suficiente para sentirem os impactos diretos que a epidemia provocou nos filhos dos anos 70.
Mas nesta primeira década dos anos 2000, os mais velhos e os mais novos foram colocados no alvo do HIV e, ao mesmo tempo, convivem com a falsa ideia de que para “tratar a doença só é preciso tomar um remedinho”, afirma o infectologista Jean Gorinchteyn do Instituto Emílio Ribas, uma das referências nacionais do tratamento da aids.
“O preservativo continua encarado como uma necessidade só para evitar gravidez, portanto desnecessário para quem tem relações homossexuais ou está fora da faixa da fertilidade”, completa Gorinchteyn, que coordena um ambulatório só para soropositivos maiores de 50 anos, onde 60% são homens e oito em cada dez casados com mulheres.
“Um erro perigoso, porque nem tratar a aids é fácil e nem a camisinha tinha de ser vista só como um método contraceptivo. Aids não tem cura, tem tratamento complicado e pode matar”, alerta o médico. No País, são 27,3 mortes diárias por aids.
Medo de falhar
O desdém com a camisinha também tem como combustível o medo de falhar. A falta de jeito e de hábito em colocar o preservativo podem atingir em cheio a potência. “Ninguém quer ter fama de broxa”, contou um jovem de 27 anos, consumidor de drogas e que marca “rapidinhas” sexuais pelo celular.
Mesma aflição foi relatada por um recém-viúvo, de 75 anos, que não tinha relações com penetração plena há 8 anos com a esposa e se viu no papel de adolescente quando uma mulher 20 anos mais jovem, conhecida no bailão do clube, deu a entender que gostaria - e aceitaria - ir para cama com ele.
Este temor tenta ser curado com remédios em prol da potência (para disfunção erétil) ou que prometem ampliar a sensibilidade (entorpecentes sintéticos), influenciando ainda mais no comportamento de risco. O resultado é a ampliação do desuso da camisinha. No Brasil, seis em cada dez homens admitem não utilizar a proteção em todas as relações sexuais, conforme contabilizou o Ministério da Saúde.
Embriagado
Entre os desprotegidos, estão os que sabem ser portadores do vírus HIV e ainda assim mantêm relações sexuais sem camisinha. “Eu contei a uma amiga que tinha o vírus e ela bateu o pé para a gente não transar de preservativo, porque era melhor”, conta S.C.
Sobre os “kamikazes” sexuais, o professor de clínica médica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Paulo Olzon – e médico especializado em aids – diz que este comportamento revela falta de ética e preocupação com o outro, duas posturas típicas do novo tempo. “Precisamos rever como tratar estes casos. São como pessoas embriagadas, que pegam o automóvel e dirigem a 300 km por hora. Será mesmo que elas não sabem que vão fazer vítimas”, deixa Olson a pergunta no ar.





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