Para o relator, há provas de que Dirceu comandava o núcleo político do esquema e usava Delúbio como elo para repassar atribuições ao núcleo publicitário comandado por Valério
O relator do processo do mensalão no STF, ministro Joaquim Barbosa, condenou 11 réus nesta quinta-feira por formação de quadrilha: o núcleo do PT, do qual fazem parte o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do partido José Genoino e o ex-tesoureiro Delúbio Soares; o núcleo publicitário: Marcos Valério, seus sócios Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino e a ex-diretora da SMP&B Simone Vasconcelos; e do núcleo financeiro os réus do Banco Rural: Kátia Rabello, José Salgado e Vinícius Samarane. O relator absolveu dois réus: a ex-funcionária de Valério Geiza Dias e a ex-vice-presidente do Rural Ayanna Tenório.
Dirceu, Delúbio e Genoino já foram condenados no STF por corrupção ativa. Valério e Hollerbach por quatro crimes: corrupção ativa, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e peculato. Paz e Simone por três crimes: ele corrupção ativa, lavagem e peculato; ela pelos dois primeiros e também evasão. Tolentino foi condenado no STF por dois crimes: lavagem e corrupção ativa. O núcleo financeiro - ligado ao Banco Rural - foi condenado por lavagem e gestão fraudulenta. Kátia e Salgado foram condenados ainda por evasão de divisas, crime pelo qual Samarane foi absolvido.
Para Barbosa, “o manancial probatório” da denúncia da Procuradoria-Geral comprova que Dirceu era “quem comandava o chamado núcleo político do esquema, que, por sua vez, passava, por meio de Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT), atribuições ao núcleo (publicitário) de Marcos Valério”. Em vários momentos de seu voto, o relator afirmou que há provas nos autos de que o núcleo do PT, aliado aos núcleos publicitário e financeiro, montou uma “sofisticada organização criminosa, dividida em setores de atuação, que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraude”.
“(Os acusados) se associaram de maneira estável e organizada com divisão de tarefas para praticar crimes contra a administração pública (...) e a conduta de cada um dos réus está claramente individualizada dentro do papel de cada um na quadrilha. Cada um era incumbido de determinadas ações e omissões que, no conjunto, foram satisfatórias para o sucesso da organização criminosa”, disse ao concluir sua análise.
Barbosa afirmou mais de uma vez em seu voto que “Delúbio Soares era o principal elo do núcleo político, comandado por (José) Dirceu, e do núcleo publicitário, comandado por Marcos Valério”. O relator reiterou ainda a amizade do ex-tesoureiro do PT com o publicitário e os encontros, confirmados pelos dois, em quartos de hotéis em São Paulo e Brasília.
"Foi desse contexto que Delúbio em companhia de José Genoino e Marcos Valério atuou na simulação do contrato de mútuo celebrado entre o Banco Rural e o PT em 14 de maio de 2003 no valor de R$ 3 milhões o qual foi renovado dez vezes", afirmou Joaquim Barbosa "mesmo sem ter patrimônio para tanto, Delúbio e Genoino afiançaram esse contrato fraudulento (...). Além disso, é importante ressaltar que Delúbio tinha a tarefa de indicar ao núcleo publicitário os valores e os verdadeiros beneficiários dos recursos lavados pelo Banco Rural", disse Barbosa.
Sobre o ex-presidente do PT José Genoino, o relator afirmou que a ele cabia a interlocução política do núcleo comandado pelo ex-ministro. Ele disse ainda, citando a denúncia do Ministério Público, que Genoino “não possuía autonomia para bater o martelo nos acordos do partido” e seguia as ordens de Dirceu.
O ministro relator também citou o "caráter simulado" dos empréstimos do Banco Rural ao PT. "As alegações de que José Genoino não teria relacionamentos com os núcleos financeiro e publicitário, salvo Marcos Valério, 'que o teria avistado poucas vezes', não afasta o crime que lhe foi imputado", afirmou Barbosa. "Os membros do núcleo político corromperam parlamentares para manter e ampliar a base aliada ao governo federal na época", disse Barbosa. "Como toda organização criminosa, havia uma divisão de tarefas entre os agentes do grupo e o sucesso do empreendimento do grupo dependia da atuação de todos os membros."
Sobre o núcleo publicitário, Barbosa disse que o “objetivo do grupo com esse modus operandi era dissimular a natureza, origem, localização e propriedade dos valores repassados, assim como ocultar os verdadeiros beneficiários desses valores ilícitos do Banco Central e da Coaf”. O relator afirmou que Valério, embora não ocupasse nenhum cargo formal na Casa Civil, atuava em favor do Banco Rural com autoridades do Banco Central e intermediava encontros de dirigentes da instituição com o Dirceu. "Era uma grande desenvoltura que esse Marcos Valério tinha, né?", questionou Barbosa.
O relator descreveu a atuação do núcleo financeiro no esquema do mensalão. ”Demonstrada a gama de interesses interconectados que os principais integrantes do Banco Rural pretendiam satisfazer junto ao governo federal por meio de Marcos Valério, eu anoto que o núcleo financeiro praticou, em síntese, as seguintes ações: financiou parcialmente o esquema, permitiu a mistura de recursos via empréstimo com dinheiro público desviado, viabilizou a segura distribuição de recursos em espécie sem comunicar os órgãos de controle e, por fim, não comunicou as operações suspeitas de lavagem de dinheiro aos órgãos de controle", afirmou o ministro.
Após o voto de Barbosa, seguem as análises do revisor Ricardo Lewandowski e dos outros oito ministros. A expectativa é que o julgamento termine na próxima semana.
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