sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Maternidade no congelador


Congelar óvulos está cada vez mais viável, mas técnica ainda não garante gravidez futura


Na sala de espera da clínica de fertilização, um casal conversa, uma mulher folheia um livro sobre bebês e outra mexe compulsivamente no celular. Ao lado, na recepção, sentadas em um banco, outras duas mulheres, mãe e filha, roem as unhas, também à espera. A esperança e a ansiedade escancaradas nos gestos é comum a todas.
O fax emite um sinal, a enfermeira pega o documento enviado, não consegue se conter e o resultado ecoa pelas salas: “Positivo, deu positivo.” Mãe e filha pulam do banco, se abraçam, riem e choram ao mesmo tempo. Na sala de espera ao lado, o casal se cala e as mulheres tentam disfarçar as lágrimas.
Aos 30 anos, Emi Tahara passou pelas duas situações: a dor de não conseguir ter filhos e a alegria de descobrir que estava esperando um bebê. Depois de cinco anos tentando engravidar, ela decidiu procurar ajuda médica para realizar o sonho de ser mãe. Ao receber o diagnóstico de endometriose, logo optou pela fertilização in vitro. Durante o tratamento produziu uma grande quantidade de óvulos, mas apenas três seriam inseminados.
Foi então que surgiu a dúvida: o que fazer com os óvulos restantes? Emi tinha três opções, descartá-los, doá-los ou congelá-los e preferiu esta última. “Foi uma decisão acertada, já que eu só consegui engravidar na segunda tentativa de fertilização, com os óvulos congelados”, afirma. “Em geral, a mulher pode guardar metade para tentativas futuras ou até mesmo para preservar sua fertilidade”, avalia o médico Raul Eid Nakano, especialista em fertilização humana da clínica Ferticlin.

Flávia e a filha Laura: congelamento de óvulos foi opção depois de tratamento de fertilização in vitro
Assim como Emi, Flávia Martins, de 28 anos, engravidou na segunda tentativa da fertilização, da qual nasceu Laura, de 1 ano. Os três óvulos restantes estão congelados em uma clínica e a relações públicas paga R$700 por ano para mantê-los.
O congelamento de óvulos é uma opção comum entre mulheres que recorrem à fertilização in vitro, que em geral já sofrem com a infertilidade. “A grande maioria hoje, cerca de 60% - dependendo da estatística de cada clínica - ainda é de pacientes em tratamento que aproveitam e congelam”, avalia Claudia Messias, ginecologista da clínica de reprodução assistida Huntington.
O procedimento é uma esperança também para quem tem sintomas de menopausa precoce ou vai passar por tratamentos médicos agressivos, como quimioterapia. “Se uma mulher com câncer de mama, por exemplo, que tem um índice de cura considerado alto, precisar de quimioterapia, pode perder a possibilidade de ter filhos. Mas, congelando, pode ter sua fertilidade preservada”, diz Nakano. Embora não indicado, mas também possível, o congelamento tem sido uma forma de postergar a maternidade.
Vale a pena adiar?
No início deste ano, um estudo escocês assustou mulheres de todo o mundo ao identificar que a maioria delas perde 90% dos óvulos até os 30 anos. “Biologicamente o melhor momento para ter um filho é dos 20 aos 30 anos, é quando vai ter menos problema no pré-natal, na gravidez, e tem uma menor incidência de doenças como Síndrome de Down nos bebês. Depois disso, os índices começam a ficar desfavoráveis. A partir dos 37 a taxa de fertilidade cai rápido e a qualidade do óvulo aos 40, por exemplo, é metade ou um terço de um óvulo aos vinte e sete”, ponderiza Nakano. E os dados são mesmo preocupantes. Aos 25 anos, 75% das mulheres conseguem engravidar em seis meses. Aos 30, a taxa cai para 40% e aos 40 anos, para 25%.
Com o tempo correndo contra o sonho de ter um filho, o congelamento parece ser a opção mais indicada para quem acha que “ainda não é o momento”, seja em função da consolidação da carreira ou do adiamento do casamento, por exemplo. Porém, os especialistas em reprodução humana alertam que esse tipo de tratamento deve ser o plano B quando o assunto é gravidez. A Associação dos Embriologistas Clínicos e a Sociedade Britânica de Fertilidade emitiram recentemente uma nova diretriz médica contra-indicando o tratamento como opção de preservação da fertilidade.
“As mulheres acham que a ciência progrediu de tal forma que, enquanto elas menstruarem, podem ter filhos. A perda da fertilidade após os 35 é cruel”, alerta Arnaldo Schizzi Cambiaghi, especialista em reprodução humana e diretor do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia. A recomendação é que, com base nas informações, a mulher se programe para ter um filho naturalmente, até porque a técnica não garante uma gestação.
Eficiência técnica X corpo
São duas as técnicas utilizadas: congelamento lento e vitrificação. A primeira é mais antiga e leva três horas para congelar um óvulo. Como essa é uma célula com muita água, a formação de grânulos de gelo no interior danifica as estruturas, resultando em uma taxa de fertilização em torno dos 2%. A segunda é mais recente e congela a célula em apenas 3 minutos. A sobrevivência do óvulo é melhor, já que suas estruturas são mantidas, assim como a taxa de fertilização. Segundo clínicas do setor, essa porcentagem está em torno de 38%, mas os dados de 2007 do comitê da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva somam apenas 4%. O preço do tratamento ainda é considerado caro,
Apesar do progresso científico, a fertilização dos óvulos congelados não é garantida e depende muito da idade e da saúde da mulher. “É preciso lembrar que depois dos 45 anos, fisicamente, a mulher não está em condições ideiais de gerar ou gestar”, aconselha Cambiaghi. Para Nakano, o prazo é ainda mais curto: “O ideal é gestar no máximo até os 40.”
Mas antes disso, já a partir dos 30, a mulher deve estar preparada para possíveis problemas como diabetes gestacional, já que o corpo passou de seu estado perfeito para uma gestação. O aumento no número de prematuros, por exemplo, também tem sido apontado pelos especialistas como resultado de uma gravidez tardia.
Outro ponto deve ser levado em consideração: para utilizar o óvulo congelado, obrigatoriamente a mulher deverá passar por uma fertilização in vitro. Um estudo realizado na Dinamarca – e publicado em fevereiro na revista Human Reproductive, em Londres - acompanhou mais de 20 mil grávidas e constatou: mulheres em que a primeira gestação foi realizada por meio de uma fertilização in vitro têm quatro vezes mais chance de que o segundo bebê nasça morto do que aquelas que engravidaram naturalmente.
Cuidados especiais
Nem toda mulher pode se submeter ao tratamento de hiperovulação que precede o congelamento. Algumas não podem tomar hormônio, têm problemas hepáticos ou de coagulação, o que impossibilitaria a produção de muitos óvulos e, portanto, a sua aspiração. Esse, aliás, é um procedimento cirúrgico e, portanto, apresenta alguns riscos.
Além disso, durante o tratamento, a mulher pode responder excessivamente ao hormônio, causando a síndrome do hiperestímulo ovariano e retendo líquido na região abdominal. “É possível avaliar esse risco antes do tratamento”, ressalta a ginecologista Claudia Messias. O outro lado, uma resposta aquém do esperado, também pode ser igualmente ruim, porque a mulher terá de passar novamente por todo o processo se não tiver resultado com a fertilização inicial.
Entre a tentativa frustrada e a gravidez, Emi Tahara passou por uma fase que classifica como “delicada”. Ficou ansiosa, nervosa, preocupada e alterada e teve dúvidas com relação a eficiência do método. “A gente acha que assim que coloca o embrião, já está grávida. E não é assim que acontece”, conta. Flávia Martins se prepara para, no início do ano que vem, encomendar um irmão para Laura e pretende utilizar os óvulos congelados.
“Fico tranqüila em saber que eu estou envelhecendo, mas meus óvulos têm 25 anos hoje ou daqui a um ano. E também por saber que para o próximo bebê não terei que passar por todo o processo novamente”, avalia.

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