Em um país onde a religião tem grande importância, como será a rotina de famílias que não acreditam em Deus?
O Brasil é um país de população reconhecidamente religiosa. Mas não absolutamente: o grupo dos sem religião cresce cada vez mais e, de acordo com dados do IBGE, levantados pela “Folha de S. Paulo”, já chega a 12,8% da população, formando assim o segundo maior contingente de uma mesma “corrente”.
Neste grupo estão incluídos os ateus e os agnósticos. A diferença entre eles é sutil. Os ateus negam a existência de Deus. Já os agnósticos, apesar de muitos também não acreditarem, acham que a questão da existência ou não de Deus não pode ser definida. De qualquer forma, os dois grupos abrem mão do que há de mais presente na vida de uma enorme parcela de brasileiros: a religiosidade.
Mas afinal, como é a rotina de uma família que não acredita em Deus em um país onde a maioria das pessoas tem crenças em divindades? Como lidam com questões morais, sobre a morte e com a constante vigilância dos que desconfiam do caráter de alguém que não guia sua vida de acordo com doutrinas religiosas?
“Já ouvi algumas vezes uma afirmação que considero preocupante. Muitos me dizem que, porque não tenho religião, posso matar ou roubar. Fico espantada. O pensamento inverso é que, se aquela pessoa não tivesse uma religião, seria capaz destas coisas”, conta a psicóloga Iara Hunnicutt, 58, que é agnóstica. Segundo ela, muitas pessoas não conseguem distinguir caráter e religião. “Sempre respondi que qualquer um pode optar por matar ou roubar e depois arcar com as consequências. Mas eu jamais faria isso por que é simplesmente errado e condenável.”
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A bióloga e professora universitária Cristina Bertoni, 33, também tem seus momentos de questionamentos por parte da sociedade. “Sou gaúcha e vivo na Bahia, onde a religiosidade é muito presente. Meus alunos se chocam com o fato de eu ser ateia e não entendem como posso ser uma boa pessoa. Ética e educação não têm a ver com crenças. Questões de fé me incomodam”, diz.
Filhos
Se os pais passam por situações difíceis por causa de seus posicionamentos diante do assunto religião, será os filhos também enfrentam esse problema? “Uma mãe nunca deseja que um filho sofra qualquer tipo de preconceito, mas isso acontece com frequência. Seja pela cor da pele, preferência sexual ou escolha religiosa. Temos que prepará-los para lidar com essa realidade da melhor forma possível”, explica Cristina, que tem um filho de dois anos e meio.
Iara, mãe de três filhos – de idades que vão de 33 a 37 anos – conta que sempre os ensinou a não debater preferência religiosa. “A minha filha mais velha é ateia e sofre muito mais que eu. Mas a escolha foi dela. Jamais proibi um filho de se interessar por alguma doutrina.”
Será que você é preconceituoso e não sabe?
A bacharel em direito Eliete de Oliveira, 41, mãe de uma garota de 18 anos e um menino de 12, afirma que o mais novo já se interessou pelo espiritismo. “Minha sogra é espírita e ele seguiu, durante um tempo, a mesma doutrina. Não me incomodei. Acho que só seria contra se fosse uma religião que limitasse a vida dele com muitas proibições. O espiritismo não é assim.”
Amigos
Convites para batizados, casamentos, missas, enterros e tantos outros eventos que demonstram a opção religiosa de quem os promove estão presentes, frequentemente, na vida de quem socializa com família e amigos.
Não é diferente com famílias ateias ou agnósticas. Iara aceita tais convites e ensina os filhos que, quando se está na casa de outra pessoa, devem respeitar seus costumes. “Se todos ficam em pé, também ficamos. Se todos sentam, sentamos. Só não rezamos porque não acreditamos naquelas palavras. Mas respeito é fundamental. Por mais que nem sempre nos respeitem”, explica.
Mas há situações delicadas. Ela conta que seus filhos, quando tinham por volta de seis anos, estavam em uma missa e viram uma fila se formar. Sem saber o que estavam fazendo, acabaram comungando. “Muitos ficaram indignados porque eles não tinham confessado. Mas são crianças. Que pecados tão graves podiam ter?”, indaga Iara.
Já Eliete é um pouco mais rigorosa. “Não vamos a eventos religiosos. Só abrimos uma exceção quando minha irmã, que é testemunha de Jeová, casou. Não gosto muito porque as pessoas ficam tentando nos converter. Preciso ficar reafirmando, a todo momento, minha escolha.”
Além de eventos realizados em igrejas, sinagogas e outros templos religiosos, não há como escapar das datas comemorativas celebradas pela população. Natal, por exemplo.Apesar de ser um feriado com conotação religiosa, muitas famílias ateias ou agnósticas encaram como uma reunião familiar especial para encerar o ano que finda. “É muito difícil se isolar. Se você for pensar bem, muita gente nem sabe o que a data representa. Nós nos juntamos e celebramos a união da família, com uma ceia ótima, claro”, revela Eliete. A bióloga Cristina compartilha das atitudes de Eliete. “Não comemoramos o nascimento de Jesus. Na minha casa, natal é tempo de união e Papai Noel”, diz.
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