Enquanto a criança adquire a habilidade na prática, pais não precisam se preocupar com fantasias ou com desejo de usar roupas do outro sexo
Se vestir sozinho faz parte do processo de amadurecimento da criança e é uma habilidade a ser estimulada e comemorada. Algumas atitudes são fundamentais para dar confiança e ajudá-los nessa fase de independência – além de evitar que os pais enlouqueçam quando os pequenos se embananam para colocar o uniforme da escola ou encasquetam com luva e gorro no auge do calor tropical.
O processo começa por volta dos dois anos. O primeiro passo, geralmente, é aprender a tirar as peças, meia, sapato e casaco. As crianças devem ser estimuladas. Comentários como “olha que coisa boa que você fez” são bem-vindos. “Por princípio a criança adora ser independente e fazer as coisas sozinha. Muitas vezes é o adulto que se antecipa e faz antes”, diz a psicopedagoga Ana Lisete Frontini Pereira Rodrigues, membro da comissão científica da revista Psicopedagogia.
As meninas começam antes e mais rápido. Elas têm uma ligação mais forte com o guarda-roupa, até mesmo pela questão da vaidade. Mas não só elas tomam a iniciativa de escolher o que querem vestir. Théo, de 4 anos, é filho da relações públicas Roberta Catani, 30 anos. Ele começou a querer se vestir sozinho no ano passado e com dois itens bem específicos: luva e gorro. Ele ama e usa em qualquer época do ano.
“Às vezes, ele põe até cachecol, mesmo com shorts e camiseta”, diz Roberta. Ela sempre tem de explicar para o filho que está quente e ele não precisa dos acessórios. Mas, se ele insiste, ela deixa. “O Théo se sente bonito e protegido assim. Os amigos comentam que ele tem luva. Não vale discutir e causar um estresse antes de ir para a escola. Se atrapalhar, ele tira”, explica.
Aos 4 anos, Théo gosta de usar cachecol, luvas e gorro, mesmo quando está calor
A roupa certa na hora certa
Ana Lisete Frontini concorda com a tática de Roberta. Ela recomenda deixar a criança sair de roupa de calor no frio e vice-versa, para ela experimentar e perceber quais combinações funcionam. Como ninguém quer ver o filho passando calor ou pegando friagem, ela sugere levar um casaco ou blusa leve na bolsa, para quando ele mudar de ideia e admitir que sair com a blusa de lã em um dia quente não foi uma boa.
“A fase do guarda-roupa é a mais difícil”, diz a arquiteta Carolina Mariutti, 36 anos, mãe de Camila, 5 anos, e Joana, 2. Quando Camila era menor só queria usar vestido, por mais que a mãe explicasse que estava frio. Para minimizar o problema, Carolina deixava a filha escolher entre três combinações pré-selecionadas e impunha uma condição: no inverno, a menina devia colocar camiseta de manga comprida por baixo.
A psicóloga Beatriz Guimarães Otero recomenda a estratégia de deixar a criança escolher entre “looks” prontos. Ela vai se sentir com liberdade para ter uma opinião e segura de estar fazendo a escolha certa. “Se vestir sozinho é um exercício de autonomia muito importante para a criança”, diz ela.
Ana Lisete lembra que se vestir sozinho não é um fato isolado. Está ligado ao processo de aprendizado da criança e ao prazer de conseguir fazer as coisas por si só. Neste sentido, pais e escola fazem trabalhos complementares. Como a escola de Théo está estimulando as crianças a escovar os dentes, pendurar a mochila e entrar na escola sozinhas desde o início do ano, Roberta percebeu que o processo de se vestir também caminhou muito rápido.
Armário de fantasias
Théo adora fantasias e tem um armário cheio delas. Ele usa a de Homem Aranha para ir a todos os lugares. “As pessoas olham, comentam e ele se sente a pessoa mais linda do mundo. Ele até anda diferente”, diz a mãe. “Deixo ele curtir esse mundo paralelo”.
Mas mesmo para a fantasia há limites: para ir à escola ele não usa. “Isso está muito claro. Os amigos também não vão de fantasia, e ele entende”, diz Roberta.
Segundo Silvia Martinelli Deroualle, psicanalista membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, roupa é identidade e vai sendo construída ao longo da vida. Dar a possibilidade de a criança experimentar com as roupas, criar e se expressar é fundamental. Os pais só precisam tomar cuidado para não deixar o filho sair de casa com trajes muito inadequados. “Tem que ter sensibilidade. Regras sociais existem e os pais devem orientar e proteger o filho”, diz ela.
Se vestir brincando
Abotoar a camisa e acertar o pé do sapato são tarefas difíceis para os pequenos iniciantes. No começo, vale dar uma ajudada. Depois, é preciso estimulá-los a fazer sozinhos. Para tornar a coisa mais fácil e prazerosa, transforme-a em brincadeira. “Inventar um ritual ajuda a deixar o desafio de colocar a roupa mais gostoso, tirando o foco da dificuldade”, diz a psicóloga Beatriz Guimarães Otero, da Clínica Elipse.
A maioria das escolas tem materiais pedagógicos que ajudam a criança a se familiarizar com o tema. Também dá para comprar bonecos para serem vestidos ou livros que simulam tênis para serem amarrados e camisas abotoadas.
Ana Lisete Frontini frisa que o mais importante é dar tempo para a criança fazer sozinha. “Se antes de ir para a escola, na correria, não for possível, pode ser no final de semana ou à noite, quando for colocar o pijama”, indica a psicopedagoga.
Angelina com Maddox e Shiloh: ela prefere bermudas e calças a saias e laçarotesMeninos de saia, meninas de calção
Ano passado, a atriz Angelina Jolie teve de se manifestar publicamente devido às críticas e comentários sobre o modo de se vestir de Shiloh, uma de suas filhas com o também ator Brad Pitt. Shiloh é constantemente fotografada usando roupas típicas de meninos. Angelina disse não proibir a filha e acreditar no direito de expressão da criança por meio das roupas.
É normal a criança querer experimentar a roupa dos outros, por curiosidade ou por admirar o dono das peças. “As roupas da minha mãe eram fascinantes, pois um pouco dela estava lá”, lembra a psicóloga Silvia Martinelli Deroualle. Se uma menina só tem irmãos, é natural ela querer usar algumas peças do armário deles.
Quando a criança cisma com uma roupa, qualquer que seja, o importante é entender o significado da peça para ela. “O principal é a conversa e não simplesmente proibir”, acredita Beatriz Guimarães Otero.
Mas pode ser uma situação difícil e angustiante para os pais verem as meninas com roupas masculinas ou o filho usando uma saia ou vestido. “Se é um fator isolado, não tem problema nenhum. Se a criança insistir, não é para fazer um drama. O ideal é tentar entender o porque disso e então buscar orientação de um profissional para poder lidar com a situação”, recomenda a psicopedagoga Ana Lisete Frontini.
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