terça-feira, 5 de junho de 2012

O POETA

Casimiro José Marques de Abreu nasceu na Freguesia da Sacra Família da Vila de Barra de São João, na então província do Rio de Janeiro, no dia 4 de janeiro de 1839, filho de José Joaquim Marques de Abreu e de D. Luiza Joaquina das Neves.
Partiu em seguida para Nova Friburgo, onde cursou durante alguns anos o Instituto Freese. Foi aí que, uma tarde, à hora em que na sua casa paterna deviam estar merendando, lembrou-se de seu lar, viu nele a mãe querida, e então, assaltado pela saudade, chorou e compôs sua primeira poesia. Infelizmente, em momento de desânimo e desgosto rasgou-a, embora mais tarde viesse arrepender-se do que fizera, e sentisse tanto haver destruído aquela produção que, para recuperá-la, daria todo o volume de “As Primaveras”, o livro que o tornaria imortal em nossa literatura.Não terminados completamente seus estudos de humanidades, foi para o Rio de Janeiro trabalhar no escritório do pai, que à fina força, queria encaminhá-lo na carreira comercial. Casimiro submeteu-se, mas não se resignou, e essa contrariedade foi grande amargura na vida do poeta.

Depois de um ano de permanência no Rio, o pai manda-o para Portugal. No exílio, atormenta-o a nostalgia do torrão natal e da família, sobretudo da irmã e da mãe, a quem Casimiro amava extremosamente, de quem fala mais de uma vez nos seus escritos e para quem fez aquela poesia tão transbordante de saudade e ternura filial, de uma forma poética tão adequada, que dificilmente se encontrará outra que iguale na força do seu sentimento e na formosura da expressão.

Costuma-se dizer que no exílio lhe apareceram os primeiros sintomas da tísica pulmonar, que havia de matá-lo. Isto constitui, porém, um ponto por elucidar na biografia de Casimiro, pois em cartas autografadas do poeta, existentes no arquivo da Academia Brasileira de Letras, parecia que ele gozava de boa saúde. Ao amigo, destinatário da referida correspondência e para o qual abria sua alma de par em par, conta que voltou de Portugal, e nem então e nem depois alude a enfermidade alguma, a não ser a varíola de que ficara marcado, mas de que já se restabelecera; e pelo contrário, certa ocasião chega a lastimar-se da monotonia da boa saúde, em lugar do qual queria a tísica com todas as suas peripécias para ir definhando liricamente até acabar de morte romântica sob o céu azul da Itália (desejo muito do gosto da época, e que nosso poeta exprime, talvez, com algum humorismo). Ainda em carta de 11 de janeiro de 1860, isto é, nove meses antes de sua morte, escrevia:“eu continuo sempre bom do físico e sempre enfermo do moral”.

Há, contudo, uma carta de 17 de maio, sem indicação do lugar nem ano, mas que supõe-se ser de 1859, na qual se lêem as seguintes palavras: “Vivo muito triste e padeço mesmo um pouco do físico; a minha saúde vai-se estragando e eu desconfio que o canastro não dura muito tempo. Adeus; estima-me sempre e lamenta”.
POEMAS DE CASIMIRO DE ABREU


Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! Bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
" - Meu Deus! Que gelo, que frieza aquela!"


Como te enganas! Meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...És bela - eu moço; tens amor - eu medo!...


Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.


O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me intumesce os seios.
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.


É que esse vento que na várzea - ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!


Ai! Se abrasado crepitasse o cedro
Cedendo ao raio que a tormenta envia.
Diz: - que seria da plantinha humilde
Que à sombra dele tão feliz crescia?


A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho;
E a pobre nunca reviver pudera
Chovesse embora paternal orvalho!


Ai! Se eu te visse no valor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco.
Soltos cabelos nas espáduas nuas!

Ai se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos - palpitante o seio!...


Ai se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...


Diz: - que seria da pureza d'anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
- Tu te queimaras, a pisar descalça,
- Criança louca, - sobre um chão de brasas!


No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!


Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço
Anjo enlodado nos pauis da terra.


Depois... desperta no febril delírio,
- Olhos pisados - como um vão lamento,
Tu perguntaras: - qu'é da minha c'roa?...
Eu te diria: - desfolhou-a o vento!...


Oh! Não me chamas coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela - eu moço; tens amor, eu - medo!...


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