Nem todos sabem encarar situações que podem ser humilhantes ou embaraçosas com bom humor. Mas quem consegue diz que vale a pena
Depois de Byafra aparecer cantando e espantar um ladrão de carro em uma propaganda de seguros, agora é a vez de Ricardo Macchi contracenar com Dustin Hoffman, ator americano que acumula diversos prêmios por suas atuações, e fazer graça com o slogan “Para ser um atorzão não precisa ser grande. Nem para ser um carrão”, em um comercial de uma montadora. Para quem não lembra, Ricardo ficou conhecido – e foi muito criticado – depois de sua interpretação do cigano Igor, na novela da TV Globo “Explode Coração”. Além deles, o lutador brasileiro de MMA Anderson Silva também fez graça de sua voz fina em outra propaganda. Mas afinal, é bom saber rir de si mesmo?
De acordo com a psicóloga mestra em psicologia social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Monica Portella, saber rir de si mesmo traz leveza e torna os problemas mais suportáveis. “Geralmente, quando a pessoa consegue encarar com bom humor alguma característica ou condição que antes era encarada como um problema, mostra que ela aceitou e está de bem com o que já foi capaz de causar sofrimento em algum momento de sua vida.”
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“Uma vida sem muita autocobrança é bom, claro. Ficar se cobrando o tempo todo acaba sufocando”, afirma o psicanalista membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo Oswaldo Ferreira Leite Netto. Ele, no entanto, ressalta que a brincadeira não pode se tornar humilhação. “É preciso ser autoconfiante para saber rir de si mesmo e fazê-lo sem se humilhar. Essa percepção é muito importante”, diz.
Há quem veja a habilidade de rir de si mesmo com desconfiança. O psiquiatra e membro da Federação Brasileira de Psicanálise Paulo Quinet nem sempre vê autenticidade em quem faz piada com os próprios defeitos. “Acho que é necessário ter muito autoconhecimento para ser capaz disso. O Byafra, por exemplo, não sei se ele está realmente rindo dele mesmo. Eu vejo mais como uma estratégia de marketing.”
“Sua casa é adaptada?”
Achar graça em situações que para muitos pareceriam embaraçosas é o que procura fazer a designer Priscilla Louzada, 29. Com 1,48m de altura ela diz nunca ter se importado com as piadas que a pouca altura sempre atraíram. “Às vezes, achava que a minha altura incomodava mais quem estava fazendo a tal piada do que a mim.”
Priscila e o marido: diferença de altura faz com que casal chame atenção por onde passa
Priscilla, que se casou com um homem de 1,90m de altura, sabe que os dois chamam atenção. Depois do casamento, um conhecido brincou perguntando se a casa deles era adaptada para a altura da designer. “Eu entrei na onda e respondi rindo sobre nosso espelho do banheiro, que precisa começar lá embaixo no meu rosto até chegar lá em cima no rosto dele. Também teve uma vez que entramos no metrô e uma menina, que parecia ter por volta de oito anos, falou pra mãe dela: ‘olha mãe, um homem altão com uma mulher pequenininha!’. A menina ficou meio sem graça porque eu ri muito com a observação dela.”
O funcionário público Ércio Gimenez Junior passou por uma situação inusitada também no metrô. Ele, que tem 38 anos, estava com uma amiga que reclamava de estar com muito sono. “Um homem comentou comigo: ‘imagina como ela vai estar quando tiver a nossa idade?’. O detalhe é que ele tinha uns 65 ou 70 anos. E ele estava falando sério. Encarei com bom humor”, afirma Junior que não tinha pensado antes sobre o processo de envelhecimento.
“Sou uma pessoa que encara envelhecer de forma bem positiva. Sou vaidoso, quero estar bem apresentado, mas sei que é inevitável a mudança com a chegada de uma idade mais avançada. Eu me considero jovem ainda. Não quero parecer 70 anos, só que levei na esportiva o comentário porque acho que assim a vida fica mais fácil.”
Reinterpretar a realidade
Monica Portella explica que o que determina uma visão mais leve da vida é como cada pessoa interpreta os fatos. “Isso é o grande diferencial. Muitos podem ver catástrofe onde você enxerga graça. A gente tem muito problema em interpretar a realidade de forma que ela nos faça bem.”
Quando se tem uma visão mais positiva dos acontecimentos, é mais fácil se concentrar nos talentos ao invés dos defeitos. “Precisamos conhecer e lapidar nossos traços fortes no lugar de tentar ser quem não podemos ser”, afirma Monica.
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A maturidade fez com que a administradora de empresas Antonia Fernandes Garcia da Silva, 46, pudesse aceitar o que não conseguia mudar. Ela, que escuta bem apenas de um ouvido, revela que se mantém otimista diante de situações que parecem constrangedoras. “Muitas vezes as pessoas perguntam uma coisa e respondo outra. Não perco o jogo de cintura. Faço graça com minhas trapalhadas. Se eu me aborrecer, vai ser bom como?”.
É importante, porém, observar que a vida não é estática. Todos possuem a capacidade de se reinventar. “A vida oscila entre identificar capacidades e limites. Esse processo é ininterrupto porque nossas habilidades mudam conforme as fases que passamos. Eu insisto que o ser humano tem uma plasticidade enorme de personalidade. Algumas coisas não conseguimos alterar. Outras são passíveis de mudança, sim”, explica Oswaldo Ferreira Leite Netto.
Forma de defesa
Até que ponto pode-se brincar sem fazer disso um mecanismo de defesa? Quando uma pessoa é capaz de fazer uma autocrítica já está deixando claro sua capacidade de perceber suas limitações. “Essa autocrítica pode ser feita de várias maneiras, inclusive de forma acusatória. Ou pode ser no sentido de admitir e tentar mudar. Aqui entra a autoconfiança e a capacidade de superação, que está relacionada à autoestima estável”, aponta Paulo Quinet.
Autoestima é justamente o que não falta para Priscilla. Ela acredita que a melhor forma de defesa é justamente o estar bem consigo mesmo. “Autoestima é muito importante para quem tem características que despertem críticas ou piadas. Precisamos saber lidar com a situação e perceber que o preconceito está dentro de nós. Aí fica mais fácil porque conseguimos mudar isso no momento em que nos empenharmos em ter uma visão menos rígida diante de nossa vida.”
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