Doença não tem cura, mas reconhecer precocemente os sintomas diminui a evolução do quadro e dá mais qualidade de vida
Em um fim de tarde de uma quarta-feira, uma década atrás, Anna Franchi, 71 anos, entrou com o carro na rua Monte Alegre, zona oeste de São Paulo, em plena contramão. Ela só se deu conta da imprudência cometida depois de perceber a repressão das buzinas dos carros que vinham em sentido contrário.
Anna vivia há 30 anos na região e, obviamente, sabia que a rua era uma via de mão única. Um dos primeiros sinais de Alzheimer, porém, foi transformado por ela em piada, e definido pela família como uma distração.
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Quem conta o episódio acima é Mara Franchi Polakiewicz, professora de Física e filha de Anna. Inúmeras outras “barbeiragens” no trânsito foram cometidas até o diagnóstico da doença. As situações de risco vividas pela mãe, principalmente no trânsito, só fizeram sentido quando, durante uma consulta com um neurologista, a médica se propôs a resgatar, com a ajuda de Mara, episódios que ajudassem a compor o que poderia estar ocorrendo com Anna.
“Pensaram em Parkinson, mas descartaram. Demoramos a perceber que ela não estava bem. Os casos graves de esquecimento ou ausência eram espaçados. Só fui reconhecê-los como sintoma muito tempo depois e com a ajuda de profissionais.”
Segundo recente relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), 75% dos portadores da doença no mundo ainda não foram diagnosticados. Para os médicos, a negação familiar e a negligência – na maioria dos casos involuntária – com as manifestações dos os sintomas são dois dos principais fatores que impedem o diagnóstico precoce.
O início do problema é pontuado por sintomas subjetivos, geralmente confundido com ocorrências banais do cotidiano.
“Esquecimentos fazem parte do envelhecimento. A performance cai dentro de faixas normais. A família tolera esse tipo de situação e busca ajuda tardiamente, quando o a situação, na maioria das vezes, já é
Quando a doença é reconhecida logo no começo, durante a fase moderada ou leve, medicamentos e reabilitação conseguem diminuir a evolução do problema, endossa Maristela Costa, neurologista e neurofisiologista do Hospital do Coração (HCor).
Quando a doença é reconhecida logo no começo, durante a fase moderada ou leve, medicamentos e reabilitação conseguem diminuir a evolução do problema, endossa Maristela Costa, neurologista e neurofisiologista do Hospital do Coração (HCor).
Ao longo do tempo, os médicos conseguiram descobrir muitos dos mecanismos causadores do Alzheimer, mas ainda desconhecem tratamentos que possam curá-lo. A medicação melhora as sinapses – comunicações entre os neurônios – mas não trata a doença. Durante o quadro, o organismo passa a depositar gordura dentro dos neurônios, em um processo que a medicina ainda não sabe como conter.
“É uma doença sem cura, mas com tratamento. Precisamos quebrar essa ideia equivocada de que não há solução para amenizar os efeitos do Alzheimer. Em estágio inicial, temos recomendações e alternativas que podem ajudar a manter a independência, o bem-estar do paciente e até mesmo reduzir os custos e sofrimento dos familiares.”
Segundo a médica, nesse período inicial é possível exercitar a mente. A recomendação funciona como uma fisioterapia ou ginástica cerebral. Palavras-cruzadas, sudoku, baralho e leitura mantêm o cérebro ativo.
Criar o hábito de fazer pequenos resumos de textos lidos, manter a memória viva por meio de imagens fotográficas de familiares e fazer listas de compras antes de ir ao mercado são pequenas atividades que, somadas ao tratamento medicamentoso, permitem uma vida mais digna e menos sofrida durante a doença.
Polêmica
Em estágios mais avançados, de fato, pouco se pode fazer. Maristela explica que não há consenso médico sobre a utilidade do medicamento para quadros agressivos. Como a literatura científica não recomenda ou condena, no Brasil, o Sistema Únicode Saúde (SUS) mantém esses pacientes desassistidos.
A doença mata involuntariamente, pois compromete funções cognitivas. Os portadores perdem capacidade de deglutição e têm as vias respiratórias comprometidas. No início, os sintomas provocam sofrimento aos próprios pacientes, mas a demência em estágio agudo maltrata muito mais os familiares.
A agressividade de Anna no começo da doença foi marcante. Mara lembra perfeitamente do dia em que foi acionada no trabalho para socorrer as enfermeiras que cuidavam da mãe.
“Quando cheguei, ela tinha cortado toda a calça que vestia alegando que estava apertada. E não queria largar a tesoura de jeito nenhum.”
A reação é comum, mas varia de acordo com cada portador. O comportamento do Alzheimer não é linear. O funcionamento inadequado do cérebro pode provocar agressividade, alucinações ou perda total de sensibilidade. “Nosso cérebro é um circuito elétrico. Se uma peça não funciona corretamente, as reações ocorrem como um curto-circuito”, compara Maristela.
A demência é uma das manifestações mais comus do Alzheimer, mas não a única. Ela também pode ser provocada por acidente vascular cerebral (AVC), sífilis, deficiência de vitamina B12, hipotiroidismo e depressão. Confirmar o quadro requer análises clínicas e exames de exclusão, explica Oliveira.
Embora a genética seja preponderante na probabilidade de desenvolver a doença, inúmeros fatores comportamentais elevam ou diminuem os riscos. Nível de escolaridade é um deles: quem exercita muito a mente tem uma chance menor de ter alzheimer. Transtornos depressivos, alteração de humor, sedentarismo e obesidade podem ser gatilhos para a doença, em longo prazo.
“Inatividade, falta de projetos de vida e de ocupação são extremamente prejudiciais. Idosos que se mantiveram ativos, tanto mente quanto corpo, e são bem resolvidos emocionalmente, levam vantagens. Mas ninguém está blindando da doença. É uma questão de probabilidade. O Alzheimer é uma doença multifatorial", endossa Oliveira.
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