domingo, 25 de março de 2012

O que a medicina de adultos poderia aprender com a pediatria

Talvez seja o momento de admitir que os adultos não passam de crianças grandes e pensar mais no conforto deles, diz pediatra

Foto: Getty Images Ampliar
Crianças: alguns conceitos da pediatria já deveriam estar incorporados no tratamento de adultos

Há vinte anos, escrevi sobre colher sangue pela primeira vez, sobre a dor do paciente e a insegurança do estudante de medicina. Em minha primeira experiência clínica, eu estava aprendendo um estranho código de cores: tubo de tampa vermelha para análise química do sangue, tampa roxa para exame hematológico, tampa verde, tampa amarela e assim por diante.

Logo descobri que na pediatria as cores eram as mesmas, mas os tubos eram muito menores. E, em vez daquelas grandes agulhas que eu havia aprendido a utilizar nos adultos, nós utilizávamos escalpes, agulhas pequenas com asas de plástico para mantê-las estabilizadas.

Pensei: se você consegue coletar sangue o bastante com um pequeno escalpe enchendo um pequeno tubo para fazer os exames necessários, porque precisamos enfiar agulhas enormes nos adultos e encher tubos comparativamente gigantescos para fazer as mesmas avaliações?

Essa não foi a última vez em que imaginei porque as crianças eram tratadas com mais cuidado que os adultos. E agora, parece que atitudes consideradas triviais há muito tempo nos cuidados com as crianças estão começando a se tornar padrão também para os adultos.

Pense nos grandes tubos. Em um artigo publicado em 2011 na revista Archives of Internal Medicine, pesquisadores mostraram que adultos hospitalizados com ataques do coração e que tiveram sangue colhido tinham mais chance de desenvolver anemia enquanto estivessem no hospital. Pacientes que desenvolvem esse tipo de anemia têm um risco maior de morrer.

Mikhail Kosiborod, um dos autores do estudo e cardiologista no St. Luke's Mid America Heart Institute, em Kansas City, Missouri, me contou que o resultado surpreendeu alguns médicos; o volume médio de sangue perdido não parecia grande o bastante para causar anemia em adultos saudáveis.

Os pacientes do estudo que desenvolveram anemia perderam 174 mililitros de sangue em média durante a hospitalização, ainda que alguns tenham perdido muito mais. Um adulto saudável pode não se tornar anêmico depois de tal perda de sangue, mas os doentes e os debilitados correm mais risco.

Seu próprio hospital, assim como muitas outras instituições, agora está utilizando tubos menores, afirmou – não os menores que existem, pois esses precisam de manuseio especial, mas um tamanho menor e que ainda pode ser manuseado normalmente pelo laboratório. Então, porque alguém usaria tubos maiores se os menores também funcionam?

"Isso simplesmente não foi questionado no mundo adulto", afirmou Kosiborod. "Isso não era considerado um grande problema."

Bradley Monash, um hospitalista acadêmico da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que trabalha tanto na ala pediátrica quanto na adulta, afirmou: "Existe algo em relação aos cuidados pediátricos que toca as pessoas. Algo nos cuidados com as crianças que as pessoas abordam de uma forma diferente."

A dor e o medo que as crianças sentem quando precisam tirar sangue, por exemplo, provavelmente influencia a frequência com que os médicos pedem os exames.

"O medo é muito mais aceitável na pediatria do que entre os adultos", afirmou Monash.

"Há muitas coisas que poderíamos retirar da pediatria e utilizar na medicina."

Quando uma criança é hospitalizada, por exemplo, nós compreendemos que ela fique assustada. Um lugar pouco familiar, procedimentos dolorosos, pessoas estranhas com agulhas – tudo isso coroando a sensação de estar doente ou machucado. E nós rotineiramente esperamos que os pais passem a noite nos quartos de seus filhos no hospital e fornecemos a eles um leito e cadeiras que se desdobram onde eles possam se deitar.

Quando as crianças precisam de cirurgia, nós prometemos companhia e conforto. Sempre dizem às crianças que "os pais irão entrar com elas na sala de operação e que eles irão ficar lá até que elas durmam", afirmou Florencia Catanzaro, que coordena o programa de pré-hospitalização infantil do Hospital Bellevue, em Nova York.

Frequentemente os pais são autorizados a entrar na sala de recuperação do pós-operatório, para que as crianças os vejam quando acordarem, ou logo em seguida. Mas, realmente, os adultos são menos assustados, inseguros ou desorientados?

Na cirurgia em adultos, não é comum prometer que alguém pode ficar com você na sala de operação até que você durma, nem que os membros de sua família façam parte dos cuidados da sala de recuperação do pós-operatório. Muitos hospitais permitem que um membro da família passe a noite com um paciente adulto, mas as políticas variam de hospital para hospital e de ala para ala.

"Nós acomodamos muito mais familiares na ala pediátrica", afirmou Monash.

"Não temos horário de visita onde todos devem ir embora."

Ainda assim, a tendência na medicina adulta é que os novos quartos para pacientes sejam construídos da mesma forma que os quartos pediátricos, para que possam acomodar os familiares.

Parece-me que deveríamos ser capazes de prometer a cada paciente do hospital que um parente ou um amigo poderia ficar ao alcance de sua mão. Deveríamos ser capazes de prometer a qualquer pessoa que fosse passar por uma cirurgia que, quando ela acordasse, algum rosto familiar estaria lá.

Isso nem sempre seria perfeitamente conveniente para a rotina hospitalar, mas a lição dos cuidados pediátricos é que os hospitais irão se adaptar. Isso tudo também já foi impensável na pediatria há cerca de meio século.

O velho ditado "crianças não são apenas adultos em miniatura" é tão básico em pediatria que você pode pesquisar revistas médicas e achá-lo aplicado a tratamentos de fraturas faciais, insuficiência hepática e arritmias cardíacas, por exemplo. Com o tempo, nós aprendemos a ajustar o atendimento médico à fisiologia distinta das crianças e a seu desenvolvimento emocional.

Mas quando se trata de determinados aspectos do tratamento médico, especialmente a hospitalização, talvez seja chegado o momento de admitir que os adultos não passam de crianças grandes. Doença, dor e as sombras da incapacitação e da morte – comuns em todos os hospitais – tornam todos nós vulneráveis, em qualquer idade, e segurança e conforto são bem-vindos. O sangue é um lembrete útil: cada paciente precisa ser tratado de forma a conservar cada gota de força e de resistência

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