quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Apesar de papel em levantes, mulheres árabes ainda lutam por direitos


Manifestantes femininas marcham lado a lado com homens na Primavera Árabe, mas sua participação política efetiva continua limitada

As mulheres marcham lado a lado dos homens na chamada Primavera Árabe, levantes populares no Oriente Médio e norte da África que neste ano conseguiram derrubar regimes na TunísiaEgitoLíbia e Iêmen e que mantêm pressão sobre outros governos, como o da Síria.
AP
Iemenita mostra punho com as bandeiras de Líbia, Síria, Iêmen, Tunísia e Egito. Na parte superior da mão lê-se: 'Venceremos' (27/10)

Algumas das mulheres que participaram dos levantes em seus países foram reconhecidas em premiações internacionais. No sábado, a ativista iemenita Tawakkul Karman receberá o Prêmio Nobel da Paz, ao lado de duas liberianas, por sua defesa dos direitos das mulheres. Em 27 de outubro, a militante egípcia Asmaa Mahfouz e a advogada síria Razan Zeitouneh fizeram parte do grupo de cinco ativistas árabes que receberam o prestigioso Sakharov, prêmio do Parlamento Europeu que promove a liberdade de pensamento.
"Uma coisa que a Primavera Árabe fez foi remover os estereótipos sobre as mulheres árabes, porque elas realmente mostraram serem parte dos levantes e das mudanças que varrem a região",  Nadya Khalife, pesquisadora de Oriente Médio e norte da África da divisão de direitos das mulheres da Human Rights Watch.
Apesar disso, Nadya reconhece que a situação geral das mulheres árabes ainda é difícil. "Quando as revoltas aconteceram na Tunísia e no Egito, ficou claro que as mulheres foram excluídas de órgãos de tomada de decisões e que sua participação nos processos de transição política é certamente baixa", disse a pesquisadora.
Exemplo disso é o Egito. Logo após a queda de Hosni Mubarak, nenhuma mulher foi nomeada pelo Conselho Supremo das Forças Armadas, que o sucedeu com a expectativa de conduzir o país na transição democrática, para um comitê encarregado de fazer emendas pontuais à Constituição. Além disso, a junta militar proibiu que mulheres encabeçassem a lista dos partidos que concorrem atualmente nas eleições legislativas para a Assembleia do Povo e o Conselho Shura (equivalente à Câmara e ao Senado, respectivamente).
"As mulheres são parte da revolução, estiveram nas ruas, em todos os lugares, morreram na Praça Tahrir. Mas agora temos uma contrarrevolução, e elas perderão mais direitos sob a junta militar e a Irmandade Muçulmana”, afirmou a escritora e feminista egípcia Nawaal el-Saadawi, de 80 anos, referindo-se ao grupo islâmico cujo Partido Liberdade e Justiça é o favorito nas eleições legislativas.
Confira abaixo a situação dos direitos das mulheres na Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Síria e Arábia Saudita. O reino, que registrou apenas protestos pontuais por mudanças neste ano, anunciou em 25 de setembro que as mulheres poderão concorrer e votar nas eleições municipais a partir de 2015.
ARÁBIA SAUDITA
AFP
Mulheres sauditas saem de carro em Riad (17/06)
- Leis e casamento. A naturalidade saudita só é passada dos homens aos descendentes; assim, se uma saudita se casar com um estrangeiro, seus filhos não terão sua naturalidade. Homens são favorecidos em questões de casamento, divórcio, custódia de filhos e herança. O casamento é um contrato entre o homem e o 'guardião' da noiva e inclui dote.
- Participação política. Só ganharam direito de concorrer e votar em eleições neste ano. Mas esse direito só vigorará a partir de eleições municipais de 2014.
- Constituição: Não prevê direitos iguais e discrimina as mulheres. Há, porém, quem argumente que a discriminação em algumas situações as protege - financeiramente, por exemplo.
- Acesso à Justiça: Mulheres não podem ser advogadas ou participar do Judiciário; são representadas e julgadas por um homem; o depoimento de um homem vale pelo de duas mulheres; em alguns casos, há penas diferentes para o mesmo crime.
- Comportamentos proibidos: Jantar com homens que não sejam seus parentes, andar de táxi com um não parente, aparecer em público com a cabeça à mostra, sair do bairro sem o 'guardião' (pai ou marido), dirigir um carro ou entrar num veículo cujo motorista não seja o 'guardião', alugar um apartamento, hospedar-se sozinha em um hotel, entrar em um avião sem permissão do ‘guardião’.
- Educação: Representam 56% dos cerca de 32 mil estudantes do ensino superior; não podem estudar engenharia.
- Vestimentas: São obrigadas a se cobrir da cabeça aos pés (niqab e abaya) para garantir o comportamento moral dos homens e proteger a honra da família.
EGITO
AP
Mulheres votam no 2º turno da eleição egípcia em Nasr City, um bairro do Cairo (05/12)
- Leis e casamento: Desde 2000, podem se divorciar sem consentimento do homem, e filhos com estrangeiros conseguem nacionalidade – mas maridos estrangeiros não. À população masculina, porém, está garantido o direito de se separar sem a aprovação da mulher. A poligamia é uma prática comum: um homem pode se casar com quatro mulheres, enquanto elas só devem ter um marido. Os descendentes são registrados com o nome do pai, e não com o da mãe.
- Participação política: Podem votar e concorrer, ocupam vários cargos, mas têm influência limitada.
- Constituição: Garante direitos iguais a todos, mas o código familiar e as práticas culturais pesam mais do que a Carta no respeito a esses direitos.
- Acesso à Justiça: Teoricamente igual ao dos homens, mas o depoimento de um homem vale pelo de duas mulheres.
- Mutilação genital: Proibida desde 2008, mas as meninas ainda são submetidas ao procedimento por questões culturais. De acordo com a feminista Nawaal, mais de 90% das egípcias são mutiladas.
IÊMEN
AP
Manifestantes protestam contra presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, na capital do país, Sanaa (20/10)
- Leis e casamento: O guardião da mulher negocia seu contrato de casamento, e a maior parte das mulheres casa bem cedo pelo fato de lei não impor idade mínima para o matrimônio; herança geralmente é igual para homens e mulheres.
- Comportamentos proibidos: Não podem tirar passaporte sem a permissão do 'guardião', mas as que têm o documento podem viajar sem a permissão.
- Educação: Em áreas rurais, 30% de meninas estão na escola primária, enquanto 73% dos meninos estudam. Elas são 25% do total de estudantes universitários e cerca de 50% das universitárias estão no campo do magistério.
LÍBIA
AP
Líbios reagem à morte do líder deposto Muamar Kadafi do lado de fora da embaixada em Londres, Reino Unido (20/10)
- Participação política: Documento de 1997 permitiu que mulheres participem de congressos e comitês populares (equivalente ao Parlamento e seus órgãos associados)
- Acesso à Justiça: Em tese têm o mesmo acesso que os homens; em geral as leis se aplicam da mesma forma, mas há exceções como adultério.
SÍRIA
AP
Georgina Mtanious al-Jammal, mãe de Sari Saoud, menino de 9 anos que foi morto na repressão do governo sírio em Homs (01/12)
- Leis e casamento: Muitas não podem recusar casamento por pressão familiar ou medo de agressão ou estigma social; adultério é crime para ambos, mas evidências, circunstâncias e punições são mais graves pra elas.
- Constituição: São consideradas dependentes de seus maridos e filhos; grupos extremistas influenciam as decisões do governo para manter as mulheres em segundo plano.
- Acesso à Justiça: Em tese, não há barreiras legais para o acesso de uma mulher à Justiça, mas muitas deixam de prestar queixas porque nas delegacias só há homens.
- Violência contra a mulher: Algumas leis as protegem de algumas agressões, mas outras retiram os mesmos direitos alegando se tratar de crime de honra.
TUNÍSIA
Reuters
Mulheres participam de eleição legislativa na Tunísia em 24 de outubro
- Leis e casamento: Não transfere nacionalidade para o marido estrangeiro (o contrário acontece). Se um filho nasce no exterior e a mãe é tunisiana, a nacionalidade pode ser pedida apenas um ano antes da maioridade.
- Participação política: Em 2000, mais de 20% das conselheiras municipais eram mulheres, enquanto, em 1975, eram 1,7%.
- Constituição: Protege as mulheres de discriminação e aborda isso de forma explícita em vários artigos; elas podem controlar propriedade e renda, mas recebem heranças menores.
- Acesso à Justiça: Igual ao dos homens, em parte pela tradição de mulheres no Judiciário (a primeira juíza foi nomeada em 1968 e, em 1990, havia 24); testemunho de mulher tem mesmo peso que o do homem; hoje representam 35% dos magistrados.
- Violência contra a mulher: Violência doméstica é crime desde 1993 e crime de honra pode ser punido com prisão perpétua.
- Educação: Mais de 50% dos estudantes universitários são mulheres, e elas podem fazer o curso que quiserem.
- Emprego: Cerca de 15% das mulheres que trabalham são autônomas; elas são um quinto do setor informal.
*Fonte: "Women's Rights in the Middle East and North Africa", editado por Sameena Nazir e Leigh Tomppert e publicado pela Freedom House

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