Manifestantes femininas marcham lado a lado com homens na Primavera Árabe, mas sua participação política efetiva continua limitada
As mulheres marcham lado a lado dos homens na chamada Primavera Árabe, levantes populares no Oriente Médio e norte da África que neste ano conseguiram derrubar regimes na Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen e que mantêm pressão sobre outros governos, como o da Síria.
Algumas das mulheres que participaram dos levantes em seus países foram reconhecidas em premiações internacionais. No sábado, a ativista iemenita Tawakkul Karman receberá o Prêmio Nobel da Paz, ao lado de duas liberianas, por sua defesa dos direitos das mulheres. Em 27 de outubro, a militante egípcia Asmaa Mahfouz e a advogada síria Razan Zeitouneh fizeram parte do grupo de cinco ativistas árabes que receberam o prestigioso Sakharov, prêmio do Parlamento Europeu que promove a liberdade de pensamento.
"Uma coisa que a Primavera Árabe fez foi remover os estereótipos sobre as mulheres árabes, porque elas realmente mostraram serem parte dos levantes e das mudanças que varrem a região", Nadya Khalife, pesquisadora de Oriente Médio e norte da África da divisão de direitos das mulheres da Human Rights Watch.
Apesar disso, Nadya reconhece que a situação geral das mulheres árabes ainda é difícil. "Quando as revoltas aconteceram na Tunísia e no Egito, ficou claro que as mulheres foram excluídas de órgãos de tomada de decisões e que sua participação nos processos de transição política é certamente baixa", disse a pesquisadora.
Exemplo disso é o Egito. Logo após a queda de Hosni Mubarak, nenhuma mulher foi nomeada pelo Conselho Supremo das Forças Armadas, que o sucedeu com a expectativa de conduzir o país na transição democrática, para um comitê encarregado de fazer emendas pontuais à Constituição. Além disso, a junta militar proibiu que mulheres encabeçassem a lista dos partidos que concorrem atualmente nas eleições legislativas para a Assembleia do Povo e o Conselho Shura (equivalente à Câmara e ao Senado, respectivamente).
"As mulheres são parte da revolução, estiveram nas ruas, em todos os lugares, morreram na Praça Tahrir. Mas agora temos uma contrarrevolução, e elas perderão mais direitos sob a junta militar e a Irmandade Muçulmana”, afirmou a escritora e feminista egípcia Nawaal el-Saadawi, de 80 anos, referindo-se ao grupo islâmico cujo Partido Liberdade e Justiça é o favorito nas eleições legislativas.
Confira abaixo a situação dos direitos das mulheres na Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Síria e Arábia Saudita. O reino, que registrou apenas protestos pontuais por mudanças neste ano, anunciou em 25 de setembro que as mulheres poderão concorrer e votar nas eleições municipais a partir de 2015.
ARÁBIA SAUDITA
- Leis e casamento. A naturalidade saudita só é passada dos homens aos descendentes; assim, se uma saudita se casar com um estrangeiro, seus filhos não terão sua naturalidade. Homens são favorecidos em questões de casamento, divórcio, custódia de filhos e herança. O casamento é um contrato entre o homem e o 'guardião' da noiva e inclui dote.
- Participação política. Só ganharam direito de concorrer e votar em eleições neste ano. Mas esse direito só vigorará a partir de eleições municipais de 2014.
- Constituição: Não prevê direitos iguais e discrimina as mulheres. Há, porém, quem argumente que a discriminação em algumas situações as protege - financeiramente, por exemplo.
- Acesso à Justiça: Mulheres não podem ser advogadas ou participar do Judiciário; são representadas e julgadas por um homem; o depoimento de um homem vale pelo de duas mulheres; em alguns casos, há penas diferentes para o mesmo crime.
- Comportamentos proibidos: Jantar com homens que não sejam seus parentes, andar de táxi com um não parente, aparecer em público com a cabeça à mostra, sair do bairro sem o 'guardião' (pai ou marido), dirigir um carro ou entrar num veículo cujo motorista não seja o 'guardião', alugar um apartamento, hospedar-se sozinha em um hotel, entrar em um avião sem permissão do ‘guardião’.
- Educação: Representam 56% dos cerca de 32 mil estudantes do ensino superior; não podem estudar engenharia.
- Vestimentas: São obrigadas a se cobrir da cabeça aos pés (niqab e abaya) para garantir o comportamento moral dos homens e proteger a honra da família.
EGITO
- Leis e casamento: Desde 2000, podem se divorciar sem consentimento do homem, e filhos com estrangeiros conseguem nacionalidade – mas maridos estrangeiros não. À população masculina, porém, está garantido o direito de se separar sem a aprovação da mulher. A poligamia é uma prática comum: um homem pode se casar com quatro mulheres, enquanto elas só devem ter um marido. Os descendentes são registrados com o nome do pai, e não com o da mãe.
- Participação política: Podem votar e concorrer, ocupam vários cargos, mas têm influência limitada.
- Constituição: Garante direitos iguais a todos, mas o código familiar e as práticas culturais pesam mais do que a Carta no respeito a esses direitos.
- Acesso à Justiça: Teoricamente igual ao dos homens, mas o depoimento de um homem vale pelo de duas mulheres.
- Mutilação genital: Proibida desde 2008, mas as meninas ainda são submetidas ao procedimento por questões culturais. De acordo com a feminista Nawaal, mais de 90% das egípcias são mutiladas.
IÊMEN
- Leis e casamento: O guardião da mulher negocia seu contrato de casamento, e a maior parte das mulheres casa bem cedo pelo fato de lei não impor idade mínima para o matrimônio; herança geralmente é igual para homens e mulheres.
- Comportamentos proibidos: Não podem tirar passaporte sem a permissão do 'guardião', mas as que têm o documento podem viajar sem a permissão.
- Educação: Em áreas rurais, 30% de meninas estão na escola primária, enquanto 73% dos meninos estudam. Elas são 25% do total de estudantes universitários e cerca de 50% das universitárias estão no campo do magistério.
LÍBIA
- Participação política: Documento de 1997 permitiu que mulheres participem de congressos e comitês populares (equivalente ao Parlamento e seus órgãos associados)
- Acesso à Justiça: Em tese têm o mesmo acesso que os homens; em geral as leis se aplicam da mesma forma, mas há exceções como adultério.
SÍRIA
- Leis e casamento: Muitas não podem recusar casamento por pressão familiar ou medo de agressão ou estigma social; adultério é crime para ambos, mas evidências, circunstâncias e punições são mais graves pra elas.
- Constituição: São consideradas dependentes de seus maridos e filhos; grupos extremistas influenciam as decisões do governo para manter as mulheres em segundo plano.
- Acesso à Justiça: Em tese, não há barreiras legais para o acesso de uma mulher à Justiça, mas muitas deixam de prestar queixas porque nas delegacias só há homens.
- Violência contra a mulher: Algumas leis as protegem de algumas agressões, mas outras retiram os mesmos direitos alegando se tratar de crime de honra.
TUNÍSIA
- Leis e casamento: Não transfere nacionalidade para o marido estrangeiro (o contrário acontece). Se um filho nasce no exterior e a mãe é tunisiana, a nacionalidade pode ser pedida apenas um ano antes da maioridade.
- Participação política: Em 2000, mais de 20% das conselheiras municipais eram mulheres, enquanto, em 1975, eram 1,7%.
- Constituição: Protege as mulheres de discriminação e aborda isso de forma explícita em vários artigos; elas podem controlar propriedade e renda, mas recebem heranças menores.
- Acesso à Justiça: Igual ao dos homens, em parte pela tradição de mulheres no Judiciário (a primeira juíza foi nomeada em 1968 e, em 1990, havia 24); testemunho de mulher tem mesmo peso que o do homem; hoje representam 35% dos magistrados.
- Violência contra a mulher: Violência doméstica é crime desde 1993 e crime de honra pode ser punido com prisão perpétua.
- Educação: Mais de 50% dos estudantes universitários são mulheres, e elas podem fazer o curso que quiserem.
- Emprego: Cerca de 15% das mulheres que trabalham são autônomas; elas são um quinto do setor informal.
*Fonte: "Women's Rights in the Middle East and North Africa", editado por Sameena Nazir e Leigh Tomppert e publicado pela Freedom House
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