Antes de educar os filhos, pais devem rever os próprios valores e aproveitar situações cotidianas para debater o problema
Um garoto negro, de 6 anos de idade, é retirado à força de um restaurante de São Paulo após ser supostamente confundido com um menino de rua. A cena descreve uma situação recente, ainda sob investigação, e ilustra uma realidade alarmante em um país em que a diversidade – social, étnico-racial, de gêneros, territorial, entre outras – ainda não é compreendida como algo positivo para a sociedade.
Em 2009, uma pesquisa sobre preconceito e discriminação foi realizada pela FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) em 501 escolas públicas de 27 estados brasileiros. O estudo, que envolveu alunos, professores e pais, revelou que 99,9% dos entrevistados preferem manter distância de algum grupo social específico. 96,5% dos entrevistados expressaram preconceito com relação a portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 87,5% socioeconômico e 87,3% com relação à orientação sexual..
Para a pedagoga Lucimar Rosa Dias, doutora em diversidade étnico-racial e infância e consultora do CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade, os dados são indicadores claros de que o combate a esse quadro depende também de uma ligação sadia entre escola e família. “Não dá para esperar uma sociedade sem preconceito se não há compromisso com isso”, diz. “Educar para a diversidade não tem dia, nem hora. É essencial conversar, mostrar, dizer o que está errado. E nunca subestimar a capacidade de compreensão da criança”, completa.
Abordagem clara
Em uma situação como a do garoto expulso do restaurante, silenciar ou não agir em defesa da criança é uma atitude condenável. Deparada com uma cena do tipo, a criança não é capaz de compreender que a falha não está nela, e sim no desrespeito e falta dignidade do outro.
Para entender o que aconteceu, é necessário falar claramente sobre um assunto tabu e explicar que há pessoas que são discriminadas ou sofrem violência por serem homossexuais, negros, nordestinos, deficientes, entre outros, ressaltando que todos são diferentes entre si e um indivíduo não pode ser classificado e julgado por uma única característica.
Isso é fundamental para fortalecer a auto-estima e os mecanismos de defesa da criança. “Sem apoio, a criança atribui a culpa e o desconforto a ela mesma, procurando defeitos para justificar a exclusão”, pondera Lucimar.
Revendo valores
Lidar abertamente com o preconceito sem recair sobre ele é um desafio que o mundo adulto deve encarar como um dever de extrema responsabilidade. “Valores sociais muito rígidos propiciam idéias pré-concebidas e não agem a favor da diversidade”, explica a psicóloga e terapeuta comportamental Denise Pará Diniz.
Isso quer dizer que não adianta nada proibir seu filho de brincar de casinha, ao mesmo tempo em que exige dele participação nas tarefas domésticas, nem justificar um comportamento agressivo de um colega pelo fato dele ter pais separados, nem atribuir às mulheres o título de péssimas motoristas, nem estabelecer que rosa é para meninas e azul para meninos. Os exemplos são infinitos.
“Precisamos ser críticos tanto em relação aos estereótipos que a cultura produz como em relação aos nossos próprios juízos sobre as demais pessoas. Não é um exercício fácil”, diz Ari Fernando Maia, professor de Psicologia da Unesp.
Mas esta tarefa difícil pode ser enfrentada em pequenos momentos do dia a dia. Desenhos, filmes, novelas, comerciais, vivências escolares: tudo que faz parte do cotidiano infantil é uma oportunidade para abordar o preconceito sem recorrer a situações artificiais.
“Se um negro ou deficiente passou por uma situação constrangedora na novela, por que não discutir o assunto? Ao demonstrar que determinada ação não tem cabimento, a própria criança vai construindo atitudes menos marcadas pelo preconceito”, diz a psicóloga Ângela Soligo, professora da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
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