Estudo pioneiro avaliou impacto das agressões na saúde mental masculina e detectou que a violência é mais influente na doença do que o abuso de drogas
A relação entre violência e transtorno mental em homens acaba de ser mapeada por uma pesquisa pioneira realizada pela Universidade de São Paulo (USP).
A análise mostrou que prevenir agressões físicas e sexuais na infância poderia reduzir em 61% o risco de depressão , ansiedade e estress crônicos na vida adulta da população masculina.
Para chegar ao número, o psicólogo Fernando Pessoa de Albuquerque, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP), investigou 477 pacientes do sexo masculino atendidos com queixas diversas em dois postos de saúde de São Paulo.
Deste total, 29,4% apresentavam sintomas de transtornos mentais e 71,4% deles já haviam vivenciado episódios violentos na infância, como espancamentos e abusos sexuais. Na parcela sem comprometimento psíquico, a taxa de vivência a episódios violentos caiu para 56,5% (14,9 pontos porcentuais a menos).
“A violência contra o homem é pouco estudada e o objetivo foi avaliar os impactos com o passar dos anos”, afirma Albuquerque.
“Por meio da avaliação dos prontuários clínicos e dos questionários sobre experiências e hábitos de vida, foi possível projetar o risco de transtorno psíquico.”
As análises mostram que a violência é mais influente na saúde mental até mesmo do que o abuso de drogas.
“Enquanto 61,4% dos casos de sofrimento mental podem ser atribuídos a sofrer violência na infância e/ou adolescência, a porcentagem cai para 30% quando analisado o risco atribuível de uso álcool e drogas sobre o sofrimento mental", diz o psicólogo.
Dentro e fora de casa
O estudo dos homens vítimas de violência começou pela análise das violência feminina. No caso das mulheres, a maior parte das agressões – 90% segundo as estatísticas da Secretaria Especial de Política para Mulheres do governo federal – acontece dentro de casa, cometida especialmente pelos companheiros.
“Resolvemos então estudar estes agressores e encontramos um ciclo de violência”, resume Fernando Pessoa de Albuquerque.
“Os homens que apanham ou que são abusados sexualmente, mesmo quando crianças, são vitimados fora do ambiente doméstico, por vizinhos ou colegas de escola.”
Apesar da violência contra o homem ser diferente da sofrida pela mulher, explica o pesquisador, elas não estão dissociadas.
“Prova disso, é que no nosso estudo identificamos que 61,4% dos vitimados quando crianças e adolescentes acabaram praticando atos violentos anos mais tarde, tornando-se os agressores de suas filhas e mulheres.”
Depressão e outros transtornos
Os dados coletados na pesquisa de Albuquerque podem ser um ponto de partida para desvendar a saúde mental masculina, pouco estudada pela ciência e quase invisível nos números.
Entre as mulheres, por exemplo, os números de depressão são 50% maiores do que entre os homens e uma das hipóteses para a superioridade, de acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, é que a população feminina procura mais ajuda.
A Política de Saúde do Homem, traçada em 2008 pelo Ministério da Saúde, já evidenciou que o fato deles não frequentarem o médico – as mulheres são duas vezes mais assíduas nas consultas de todas as especialidades – compromete a elaboração de registros estatísticos.
A relação íntima da depressão e outros transtornos mentais com a violência, defende o psicólogo, precisa, mais do que nunca, ser considerada no atendimento dos homens.
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