A mentira é essencial na construção das sociedades. E os humanos não são os únicos a desfrutar deste artifício
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Como seria o mundo se ninguém pudesse mentir? Todos os políticos
cumpririam suas promessas, ninguém manteria segredos e traição seria
algo inexistente. Ao mesmo tempo, verdades inconvenientes, como o que as
pessoas realmente pensam sobre seu peso ou seu cabelo, seriam ditas sem
pestanejar. Normalmente vista como a vilã dos relacionamentos pessoais,
a mentira existe porque nos ajuda a cumprir um propósito essencial: a
convivência em sociedade.
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De acordo com Mônica Portella, psicóloga e autora de
“Como Identificar a Mentira”, são dois os principais motivos que levam
as pessoas a mentir: proteger-se de uma possível consequência negativa
de nossas ações e preservar a autoimagem. Ou seja, quando sabemos que
nossa posição poderá sofrer reprovações ou sanções, optamos por faltar
com a verdade.
Já o professor de filosofia e historiador David
Livingstone Smith, autor do livro “Why We Lie: The Evolutionary Roots of
Deception and the Unconscious Mind”, algo como “Por que mentimos: as
raízes evolutivas do engano e o inconsciente” em tradução livre, enxerga
outra motivação essencial para os mentirosos.
“Mentimos para conseguir coisas que seriam mais difíceis
de obter de outra forma”, diz Smith antes de completar: “mentimos em
qualquer circunstância na qual manipular o comportamento do outro pode
ser vantajoso para nós”.
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“Mentimos em qualquer circunstância na qual manipular o comportamento do outro pode ser vantajoso para nós”.
No filme “O Primeiro Mentiroso”, de 2009, é por este
caminho que segue o protagonista Mark Bllison (Ricky Gervais). Mark vive
em um mundo onde ninguém sabe mentir. Um dia, depois de ter sido
demitido e de ter tido um encontro frustrado com a garota dos sonhos,
ele mente para o atendente do banco em relação à quantia que deveria ter
ali. Pronto. A enganação seria a primeira de muitas, que envolveriam,
inclusive, a habilidade de falar com “o homem lá em cima”, uma espécie
de Deus. Mark seria a primeira pessoa a conseguir enganar o próximo.
Apenas quando sente-se acuado é que ele descobre sua capacidade
singular.
Mark agiu por impulso e, embora não conhecesse o conceito
de mentira, mentiu conscientemente. Segundo Smith, no entanto, boa
parte das mentiras é proferida inconscientemente. “Algumas vezes, quando
mentimos, não temos consciência que estamos fazendo isso. Em outras
palavras, mentimos até para nós mesmos”.
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No fundo do poço, protagonista de "O Primeiro Mentiroso" mente para ascender socialmente
Será que já aconteceu conosco algo parecido com o que
acontecia com os habitantes do mundo de Mark, no filme “O Primeiro
Mentiroso”? Será que já vivemos uma época em que ninguém sabia mentir
até que alguém descobriu os poderes da dissimulação? Não. Mônica e Smith
concordam que mentir é algo natural para os seres humanos.
“Crianças com um ano já sabem mentir”, diz Mônica. “Muitas vezes a criança chora para conseguir algo em troca. Não é um sentimento genuíno”, completa. “Todos nós nascemos mentirosos”, complementa Smith.
“Crianças com um ano já sabem mentir”, diz Mônica. “Muitas vezes a criança chora para conseguir algo em troca. Não é um sentimento genuíno”, completa. “Todos nós nascemos mentirosos”, complementa Smith.
Smith, inclusive, acredita que mentir não seja nem
exclusividade da espécie humana. Segundo ele, animais e plantas usam de
artifícios similares para conquistarem determinados objetivos. O
historiador cita o exemplo de um tipo de orquídea cuja flor se assemelha
às fêmeas da vespa. Ludibriado, o macho tenta copular com a planta e
acaba levando o pólen de uma flor à outra. “A orquídea engana as vespas,
produzindo uma espécie de pornografia animal”, brinca Smith.
“
“Também
mentimos manipulando nossas aparências: ao usar maquiagem, fazer uma
cirurgia plástica ou colorir o cabelo, por exemplo”.
É assim, de maneira mais ampla, que a mentira se
manifesta no cotidiano. Mentiras verbais são acompanhadas de uma série
de atitudes que, de uma forma ou de outra, têm como objetivo enganar.
“Mentimos com nosso tom de voz, ao evitar dizer algo ou pela forma como
movimentamos nosso corpo”, diz Smith. “Também mentimos manipulando
nossas aparências: ao usar maquiagem, fazer uma cirurgia plástica ou
colorir o cabelo, por exemplo”.
Sem tanta mentira e enganação, viver em sociedade talvez
fosse inviável. “Se todo mundo falasse a verdade sempre, a vida social
seria impossível”, diz Mônica. Para ela, as pequenas mentiras do
dia-a-dia tornam viver suportável, pois não precisamos enfrentar
verdades que nem sempre estamos prontos para encarar. “Viver seria um
inferno”, concorda Smith. “Mentir é absolutamente necessário para manter
a harmonia da vida social”, finaliza.
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