Paulo Vannucchi lembra da "Batalha da Maria Antônia"; militantes que lutaram contra ditatura afirmam que violência usada pela PM foi desproporcional e aposta em mais manifestações
A geração de 68 olhou no espelho e se viu em 2013. “O cenário é o mesmo”, observou o ex-ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, depois de ver, rever e comparar as imagens da violência promovida pela Polícia Militar na quinta-feira (13) à noite na esquina das ruas da Consolação e Maria Antônia com o passado que vivenciou.
No mesmo local, há 45 anos, Vannucchi estava entre os milhares de estudantes da USP que participavam das manifestações que terminariam em confronto com estudantes da Universidade Mackenzie e a pancadaria da polícia.
O momento histórico, a pauta de reivindicações e os perfis são bem diferentes, mas a violência desproporcional usada pela Polícia Militar para impedir a manifestação do Movimento Passe Livre (MPL) acabou unindo as duas gerações.
“O autoritarismo nos remete a 68”, disse a presidente da União Nacional de Estudantes (UNE), Virginia Barros, 27 anos, que participou das manifestações de quinta-feira e na sexta à noite estava ao lado de dezenas de sessentões que assistiam, em Ibiúna, a 67 quilômetros da capital, o documentário A Batalha da Maria Antônia.
Foi uma homenagem aos antigos estudantes que, em 1968, embarcariam na resistência armada contra a ditadura, depois que a polícia prendeu 700 estudantes que participavam do congresso da UNE que não terminou, em Ibiúna. “Nós somos herdeiros dessa geração”, completou Virginia.
“As manifestações são legítimas e os estudantes têm o direito. Os 20 centavos de desconto nas passagens não explicam tudo. Eles querem melhorar o transporte. A ação da PM é despropositada. Ela atacou um movimento pacífico”, disse o ex-ministro José Dirceu, uma dos símbolos da geração de 68, que esqueceu os problemas com a justiça para voltar no tempo e participar dos eventos em Ibiúna, onde também foi preso à época.
Dirceu acha que o movimento vai aumentar, aconselhou o prefeito Fernando Haddad a abrir diálogo e, em vez de usar a PM - subordinada ao governador Geraldo Alckmin -, recorrer a Guarda Civil Metropolitana para acompanhar e garantir que as próximas manifestações ocorram sem conflitos.
Ex-estudante da Faculdade de Filosofia da USP cujo prédio ajudou a ocupar em 1968, autor do documentário sobre os episódios da Rua Maria Antônia, o cineasta Renato Tapajós acha que os estudantes do MPL estão captando “um mal estar” que ganha corpo na sociedade.
O protesto, segundo ele, está inserido na onda que já alcançou a Espanha, Chile e Turquia, motivada por reivindicações aparentemente “banais”, mas que servem de pretexto para reagir contra o avanço da dominação capitalista em regimes neoliberais.
“Os governos Lula e Dilma incluíram as questões sociais em seus programas, mas foi uma inclusão dentro da perspectiva da sociedade de consumo”, observa Tapájós. Segundo ele, o que está acontecendo agora revela que os problemas estruturais estão explodindo na forma de pequenas reivindicações.
“Tem alguma coisa além do pretexto”, alerta Tapajós, para quem os governos estaduais não deveriam tratar as manifestações como movimento de baderneiros.
“É explosão de demanda reprimida e uma reação contra o modelo social e econômico exaurido. O Brasil tem dois sistemas de educação e dois sistemas de saúde. Esse movimento é novo e reflete a insatisfação com a conjuntura”, diz o professor de história e advogado Pedro Albuquerque, o ex-estudante que, em 1968 foi preso em Ibiúna _ onde concorreria na eleição da UNE como um dos vices de Dirceu _ e três anos depois estaria como quadro do PC do B no Araguaia.
Albuquerque ficou assombrado com o número de presos em São Paulo na quinta-feira (232) e com as ações aleatórias da PM. “Nem na ditadura foi assim. Isso nunca ocorreu nos conflitos de rua. As prisões eram seletivas”, diz ele. Albuquerque diz que o fato da polícia ocupar as ruas para impedir manifestações em vez de dialogar e apenas monitorar os protestos, é uma demonstração de que os governos estaduais estão numa posição atrasada e perigosa. “Não há manifestação que não cause transtorno. Os movimentos de insatisfação vão aflorar ainda mais”, prevê.
O deputado Nilmário Miranda (PT-MG) considera as manifestações democráticas e acha que o MPL tem total legitimidade. “Estou indignado é com a desproporção da repressão. O despreparo e a truculência da PM envergonham o Brasil”, reagiu. O deputado diz não concordar apenas com atos de vandalismo que, segundo afirma, representaram uma das diferenças entre os dois períodos.
“Nós expropriávamos os bancos estrangeiros. Jamais atacávamos os nacionais”, disse, se referindo a depredação de agências bancárias e do patrimônio da população que, segundo ele, ocorreu a partir do momento em que a PM estimulou a ação de “aventureiros” ao tentar mostrar “um choque de ordem”.
A jornalista Regilena da Silva Carvalho, sobrevivente da Guerrilha do Araguaia _ onde perdeu o marido, o estudante Jaime Petit, desaparecido _ diz que, ao contrário da geração de 68, o movimento atual não têm liderança, nem partido e é, aparentemente, disperso como a onda de protestos que vêm ocorrendo em outros países.
“Sou contra atos de vandalismo, mas vejo o movimento com total simpatia e acho que se não baixarem o preço das passagens ele vai aumentar e pode refletir nas eleições de 2014”, afirma Regilena.
“O momento histórico de 68 era outro. Nossa geração tinha sentido libertário, ideário, era organizado e tinha uma visão do país e da correlação de forças”, lembra o jornalista Carlos Tibúrcio, que também foi preso em Ibiúna.
Presidente da UNE em 1992 e líder dos caras-pintadas que deram sustentação popular ao processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) aponta um retrocesso por parte das instituições em relação aos movimentos das últimas semanas.
“Vejo uma ameaça a cultura que existe neste país de respeito a manifestação. É um claro retrocesso em relação a 20 anos atrás e não se pode colocar a culpa nestes jovens”, disse o senador.
Segundo Lindbergh, a reação policial aos protestos é desproporcional e as autoridades tentam criminalizar os manifestantes ao enquadra-los em crimes como formação de quadrilha.
“Fizemos muita besteira. Cheguei a invadir a Bolsa de Valores do Rio para protestar contra as privatizações e mesmo assim não sofremos a repressão que vemos agora”, lembrou. “Quando um jovem de 17, 18 anos é confrontado com uma violência daquelas a reação é natural. Reage mesmo. Meu medo é que eles sejam criados numa cultura de conflito”, completou.
Embora não tenha contato direto com os manifestantes, Lindbergh, acredita que os movimentos devem se espalhar por todo o país a exemplo do que aconteceu na Europa e nos países árabes.
Hoje com 42 anos, com assento no Senado e pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro, Lindbergh é o que os jovens considerariam um político tradicional mas se diz encantado com as novas formas de protesto mas também sofre, agora na posição inversa, os efeitos do choque de gerações.
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