sábado, 28 de abril de 2012

O crime passional costuma ser uma reação daquele que se sente possuidor da vítima

Medeia era filha de Aetes, rei da Cólquida, que possuía o velocino de ouro – lã de ouro do carneiro alado Crisómalo. Jasão e os argonautas – tripulantes da nau Argo – buscavam o velocino para que ele retomasse o trono de Iolco, mas Aetes o mantinha guardado por um dragão. Medeia apaixonou-se por Jasão e se opôs ao pai para ajudá-lo, salvando a vida do herói grego. Fugiu com ele da Cólquida em seu navio rumo à Grécia.
Após alguns anos juntos, Jasão a abandonou, para se casar com a filha de Creonte, rei de Corinto, e permitiu que este a exilasse junto aos filhos. Injustiçada e furiosa Medeia não poupa esforços para se vingar de Jasão: envia um presente de casamento à noiva de Jasão – um vestido envenenado que ao ser usado rompe em chamas e queima até a morte a princesa de Corinto e o rei. Mas não é o fim. Ela mata os dois filhos que tivera com Jasão.

O poeta grego Eurípedes escreveu Medeia, no século V a.C,. Usando o exemplo dela mostrou a situação das mulheres da sua época, pouco diferente da condição de escravas. Medeia renuncia a tudo para seguir Jasão. O sentido de sua vida é amá-lo, e isso ainda representa a situação de muitas mulheres. O “grande amor” é para elas o centro da existência e absorve grande parte de suas energias.
A história de Medeia retrata o efeito destrutivo que a fixação no “grande amor” pode ter. “Uma mulher que vê, no seu relacionamento amoroso com o homem, um sentido exclusivo e um conteúdo da sua vida, acaba de mãos vazias quando o seu homem se dedica a uma outra ou se ela acredita não estar mais correspondendo aos ideais masculinos relativos à beleza e à atração sexual. Tendo investido todas as suas energias no relacionamento, ela agora se sente lograda”, diz Olga Rinne, que escreveu um livro sobre Medeia.
Após terem se passado 2500 anos dos assassinatos múltiplos promovidos por Medeia, uma chinesa que queria vingar-se do marido, por ele ter pedido o divórcio, em março de 2006, explodiu o edifício em que ele morava, informou a polícia de Leye (sul da China). Segundo um oficial, a mulher de 37 anos comprou o explosivo por US$ 23 e, com a ajuda de três cúmplices, detonou a carga no edifício residencial de três andares, deixando um saldo de nove mortos e quatro feridos.
Mas os homens suportam menos ainda o abandono. A procuradora de justiça de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, afirma que as mulheres são menos afeitas à violência física. “A história da humanidade registra poucos casos de esposas ou amantes que mataram por se sentirem traídas ou desprezadas. Essa conduta é tipicamente masculina. O crime passional costuma ser uma reação daquele que se sente ‘possuidor’ da vítima. O sentimento de posse, por sua vez, decorre não apenas do relacionamento sexual, mas também do fator econômico. O homem, em geral, sustenta a mulher, o que lhe dá a sensação de tê-la ‘comprado’. Por isso, quando se vê contrariado, repelido ou traído acha-se no direito de matar”. Na vida real há inúmeros casos de mulheres assassinadas por terem desejado o término da relação.
Para a escritora uruguaia Carmen Posadas o ato do amante passional que mata o ser amado que o abandona ou prefere outra pessoa é a consequência da frustração de seu desejo de posse. A pessoa não suporta mais seus sofrimentos e sente que sua única possibilidade de salvação é cortar o problema pela raiz. Entretanto, a dinâmica da violência vingativa é outra. O amante quer resolver uma questão que considera pendente; não quer evitar o mal que o ameaça, mas “anular magicamente” aquilo que na realidade já aconteceu. Delicia-se imaginando mil vezes o castigo que infligirá ao ser amado ou ao rival que o roubou, inventando roteiros de terror que não para de aperfeiçoar. O que move a vingança é o ódio, fruto da rejeição. O amante rejeitado acredita que ninguém o amará, nunca mais. Odeia a si mesmo e à pessoa que nele provocou esses sentimentos. Como o ódio não tem o poder de refazer o passado, ele confia à vingança futura.
Para o psicólogo americano David Buss, um refrão comum aos matadores emitido para suas vítimas ainda vivas é: “Se eu não posso ter você, ninguém pode”. As mulheres estão sob um risco maior de serem assassinadas quando realmente abandonaram a relação, ou quando declararam inequivocamente que estão partindo de vez. Buss aponta dados importantes. Um estudo de 1333 assassinatos de parceiras no Canadá mostra que mulheres separadas têm de cinco a sete vezes mais possibilidades de serem assassinadas por parceiros do que mulheres que ainda estão vivendo com os maridos. O tempo de separação parece ser crucial.
As mulheres correm o maior risco nos primeiros dois meses depois da separação, com 47% das mulheres vítimas de homicídio sendo mortas durante esse intervalo, e 91% dentro do primeiro ano depois da separação. Os primeiros meses depois da separação são especialmente perigosos, e precauções devem ser tomadas por pelo menos um ano.
Os homens nem sempre emitem ameaças de matar as mulheres que os rejeitam, claro, mas tais ameaças devem sempre ser levadas a sério. Eles ameaçam as esposas com o objetivo de controlá-las e impedir sua partida. A fim de que tal ameaça seja acreditada, violência real tem que ser levada a cabo. Os homens às vezes usam ameaças e violência para conseguir controle e impedir o abandono.
De qualquer forma, é fundamental que homens e mulheres, se quiserem viver de forma mais satisfatória, reflitam sobre como se vive o amor na nossa cultura, principalmente no que diz respeito à dependência amorosa e possessividade. “Talvez uma mulher reaja com raiva e sede de vingança contra o homem, contra a sociedade que a impeliu para esse papel; mas como a expressão de raiva, da ira e dos sentimentos de vingança é considerada ‘nada feminina’, é provável que ela volte sua agressão para o interior e caia numa depressão autodestrutiva”, diz Olga Rinne.
Depois do crime, o criminoso passional não costuma fugir. Alguns se suicidam, morrendo na certeza de que o ser amado não pertencerá a mais ninguém. O medo de que ninguém nos possa proteger e a suspeita de ser abandonado e rejeitado são os pesadelos da infância, mas também os fantasmas da maturidade.

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