Enquanto a cabeça de um bandido comum é quente,
o coração do psicopata é frio. Esta é a alusão que os especialistas
propõem para diferenciar quem sofre de psicopatia de um criminoso comum.
Apesar de não ser uma patologia, a psicopatia não tem cura. Frieza,
crueldade e falta de empatia são as principais características
constatadas no diagnóstico de um psicopata.
A
série ‘Dexter’ é uma das primeiras tentativas da ficção de mostrar que
psicopatas não são necessariamente maus: ele segue uma espécie de
‘código de ética’. Foto: Reprodução
“Eles são indiferentes aos outros, não sentem
remorso nem culpa”, define a psiquiatra Hilda Morano, coordenadora do
Departamento de Psiquiatria Forense da Associação Brasileira de
Psiquiatria. Estima-se que de 1% a 3% da população mundial seja
psicopata. “Por menor que seja a prevalência da psicopatia, os
psicopatas causam estragos enormes na sociedade”, afirma Antonio de
Pádua Serafim, coordenador de psicologia do Núcleo Forense do IPq
(Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas).
O alcance dos danos causados pelos psicopatas começa na
dificuldade em diagnosticá-los. A ideia popular em torno deles também é
distorcida: imagina-se que todos sejam assassinos em série, como se vê
nos filmes
Há diferentes tipos de psicopata. O coorporativo é aquele
que não vai sujar a mão de sangue. Ele vira chefe de uma empresa, mas é
tão cruel e insensível quanto um assassino em série. A diferença é que
atua pela intriga, pela mentira, destruindo a vida das pessoas para
alcançar o cargo almejado e mais poder. “O psicopata tem a incapacidade
de se colocar no lugar dos outros. Em consequência disso, o remorso e o
sentimento de culpa são praticamente inexistentes. Ele só se compromete
com o que lhe trará benesses”, explica Roberto Heloani, psicólogo social
e professor de gestão da FGV de São Paulo e da Unicamp.
O psicopata organizado, ou o líder, é pouco conhecido,
pois tem uma imensa rede de influência que não permite que seja
estudado. “É impressionante como eles ficam isolados na cadeia, mas
continuam liderando facções”, Hilda explica, citando o traficante
Fernandinho Beira-Mar como exemplo.
O psicopata paranoide é um sujeito insensível desde o
nascimento, mas com um elemento de ressentimento. Os paranoides
alimentam raiva de alguma situação, como o franco atirador da Noruega,
que matou 77 pessoas alegando defender a pureza étnica de seu país. “Um
dia eles fazem um chacina”, diz Hilda.
Em geral as cadeias são compostas por 80% de criminosos
comuns e 20% de criminosos psicopatas, esses sempre isolados dos demais.
Com exceção do Brasil, onde não existe essa segregação, o que prejudica
a reabilitação dos criminosos comuns, corrompidos ainda mais pelo medo e
pela ameaça. “Vários projetos meus para conseguir a separação foram
derrubados em Brasília”, lamenta Hilda.
Outros transtornos x psicopatia
O transtorno de personalidade é um problema diferente da
psicopatia e atinge de 7 a 15% da população, com um espectro variado.
Oscila do caso mais leve, daquele colega trapaceiro, que adora puxar o
tapete no trabalho, até um assaltante. São pessoas que têm fragilidade
ética, afrouxamento moral, mas não chegam a ser psicopatas.
“Sou um crítico ferrenho à moda de psicopatia em qualquer
lugar. Esse medo do psicopata é exagerado e ruim para a sociedade.
Psicopata não é sinônimo de mau caráter, de vilão”, diz Daniel Martins
de Barros, psiquiatra coordenador do Núcleo Forense do IPq. “O psicopata
simplesmente passa de certo limite ético, ele perturba a ordem social”,
Hilda aponta. “São pessoas que causam muito transtorno à sociedade”,
completa.
Segundo Hilda, também fundadora do ambulatório de
transtorno da personalidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas de São Paulo, os pais reconhecem a psicopatia em um filho desde
cedo. Eles têm um traço muito claro: são improdutivos, roubam os pais,
são mentirosos
e manipuladores.
Além disso, têm loquacidade e o chamado charme superficial – por não
terem resposta de tensão, além de as respostas de ansiedade serem pouco
ativas, psicopatas são muito hábeis para mentir e enganar, sem o receio
de serem pegos. “Eles mentem no currículo e conseguem fazer os outros
trabalharem por eles. Como são muito sedutores, manipulam os
subordinados com facilidade e continuam sendo improdutivos a vida
inteira”, descreve Hilda.
Dizer que todo psicopata é brilhante e inteligente é um
mito. “Há o psicopata burro também”, diz Daniel. “A diferença é que eles
ficam arquitetando todo o tempo alguma coisa contra o outro. Aí as
pessoas tendem a pensar que ele teve uma ideia original”, diz Hilda.
Inteligentes ou nem tanto, eles têm um senso de
grandiosidade. Na maioria dos casos, a terapia não funciona, pois os
psicopatas eliminam qualquer possibilidade de entender que precisam de
ajuda. De essência egocêntrica, eles não reconhecem o próprio problema.
“Já tive pacientes psicopatas e a sessão toda é um desafio. Ele tenta
desarticular você, a ação dele é voltada para desvalorizar o
profissional, mostrar que estamos enganados e que ele é melhor”, lembra
Antonio.
No trabalho
Psicopatas também são capazes de confundir impressões,
pessoas e sempre jogar a seu favor. Têm traços narcísicos e não medem
esforços para angariar benefícios para si. “O que importa para eles são o
sucesso e o bônus. São habilidosos em usar as pessoas para conseguir
seus objetivos”, diz Roberto. “O conselho que dou às organizações é:
muito cuidado ao colocar poder nas mãos de pessoas que desconheçam. O
poder tem que ser transferido aos poucos”.
Em uma entrevista recente, o especialista em psicologia
experimental da Universidade de Oxford Kevin Dutton, autor de “The
Wisdom of Psychopats” ("A Sabedoria dos Psicopatas"), afirma que incorporar a insensibilidade típica de um psicopata é positivo no mundo do corporativismo.
“Este traço acentuado, no entanto, gera um grande prejuízo no ambiente de trabalho”, diz Roberto.
As organizações que optam por colocar em cargos de alto
poder candidatos de perfil agressivo e aparentemente eficiente, sem uma
checagem mais profunda, podem ter sérios problemas mais tarde. O
psicopata tem dificuldade de se relacionar, é pouquíssimo sincero e
muito habilidoso para burlar a própria companhia. “As fraudes internas
são um dos grandes problemas das empresas atualmente, por isso se gasta
tanto com segurança interna. A empresa pagará muito caro pelo desempenho
inicial deste sujeito. Este tipo se faz de vítima, mas ao longo prazo
vai armar contra a própria organização”, diz Roberto. Isso porque
psicopatas são muito competentes em gerenciar a própria imagem e têm
grande capacidade para vender ilusões.
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