segunda-feira, 29 de julho de 2013

Eike Batista

Eike Batista

Muito provavelmente Eike Batista jamais consiga cumprir a autoprofecia de se tornar o homem mais rico do mundo. Talvez nem sequer volte a ser o mais afortunado entre os próprios patrícios. Em pouco mais de um ano, viu seu dinheiro desmilinguir-se numa inacreditável espiral descendente, desabando de mais de US$ 30 bilhões para apenas US$ 220 milhões. Deixou de ser o oitavo homem mais rico do mundo para mergulhar numa crise sem fim, que o tirou do clube dos bilionários. 

Está para nascer, no entanto, alguém que tire de Eike Batista o epíteto de “O empresário mais pop do Brasil”. Do tempo em que era convenientemente eclipsado pelo aposto “o marido de Luma” – diga-se de passagem, quanto mais se escondia mais se revelava – até a fundação de uma das mais impressionantes e feéricas sagas empresariais da história recente do País, tanto para o bem quanto para o mal sua trajetória acabou se tornando um artigo para as massas, consumido em crescentes doses de centimetragem e caracteres no noticiário. 

Não por acaso, há quem diga que o maior produto de Eike Batista é o próprio Eike Batista. Esta é apenas uma entre as tantas facetas de uma pedra rara, um personagem fora da curva, no momento desafiado a provar o quanto é grande a distância entre a consolidação de um dos maiores conglomerados logísticoindustriais do país e o protagonismo de um estridente fracasso. 

Eike Batista quebrou. 

Foi no fim da década de 1970, muito antes do frenético aparecimento das empresas “X” e da incrível e desnorteante sequência de aberturas de capital nas Bolsas de Valores, que fizeram a fortuna de Eike e, por ora, também o seu reverso. O irrequieto estudante de engenharia – e, àquela altura, também um atrevido vendedor de apólices de seguros – decidiu largar a Universidade de Aachen, na Alemanha, para embrenhar-se no Brasil profundo em busca de ouro. Eram tempos de Serra Pelada, tempos de Sebastião Curió, autoproclamado dono da então maior reserva aurífera a céu aberto do mundo. Na idade do aço – nem sequer completara 25 anos –, mas sem argento no bolso, Eike saiu em seu primeiro road show. Convenceu dois joalheiros amigos a lhe emprestar cerca de US$ 500 mil para investir na extração e no comércio de ouro. Comprou uma mina em Alta Floresta (MT). Enganado por um sócio, perdeu todo o capital inicial e ainda os pouco mais de US$ 300 mil de ganhos nas primeiras operações de venda do metal. Bancarrota!  
"Só posso dizer que me vejo muito longe deste Eike aposentado"Era mesmo uma outra época. Ao voltar ao Rio de Janeiro, Eike não apenas recebeu o waiver de seus financiadores como ainda obteve a renovação do crédito e mais US$ 500 mil para retomar o projeto. Quem dera hedge funds e private equities fossem tão generosos assim. 



Esquisitices 

Não são poucas as manias e os fatos insólitos – a maioria deles propagandeada pelo próprio – que ajudaram a esculpir e popularizar a imagem de Eike Batista como um personagem na fronteira entre o excêntrico e o folclórico. Como costumar dizer um ex-executivo do Grupo EBX, às vezes o empresário nem parece ser um empresário. Entram no rol de esquisitices, apenas para citar algumas, a coleira com seu nome usada por Luma de Oliveira durante um desfile de Carnaval, a Mercedes-Benz McLaren, de  €   1,2 milhão, estacionada na sala de sua casa e devidamente exibida em jornais e revistas, o famoso “X” que batiza todas as suas companhias e a obsessão pela cultura Inca. Esta última, aliás, está presente em sua trajetória de forma indelével. O sol Inca que caracteriza a logomarca da EBX e todas as suas controladas acompanha Eike desde a sua primeira empresa, a Autram.  

A Autram enceta aquele que pode ser considerado o segundo tomo da biografia de Eike Batista. Após o período inicial de aventuras e desventuras nos garimpos do Centro-Oeste, o empresário se firmou como um dos maiores negociantes de ouro da região. Em 1981 e 1982, movimentou mais de US$ 60 milhões. Aos 26 anos, já tinha um patrimônio avaliado em torno de US$ 6 milhões. Despertou o interesse do grupo canadense Treasure Valley, a quem se associou em 1983. Dois anos depois, antes de completar 30 de idade, Eike já era o principal acionista, presidente do Conselho de Administração e diretor-presidente da TVX Gold. Múltiplo e superlativo, bem ao seu feitio. 

Em 2000, ao vender sua participação na TVX Gold, o “labrador farejador de trufas”, uma das tantas definições com as quais Eike Batista costuma se presentear, computava a implementação e operação de oito minas de ouro no Brasil e no Canadá e a geração de mais de US$ 20 bilhões para os acionistas da companhia. Como dizem os narradores de futebol, não perca a conta. Nesse momento, Eike já contabilizava uma fortuna pessoal da ordem de US$ 1 bilhão, um retrato em três por quatro se comparado às cifras que passariam a emoldurar sua imagem a partir de então. 
"É injusto e inaceitável ouvir que induzi deliberadamente alguém a acreditar num sonho ou numa fantasia"Eike Batista não está na bissetriz. É perda de tempo procurar medianas em seu comportamento e estilo. Eike habita nos polos de si próprio. Elege projetos, ideias, conceitos e pessoas com a mesma intensidade com que os descarta. Costuma consagrar colaboradores praticamente à posição de ídolos para logo depois lançar mão de sua porção iconoclasta. Não são poucos os executivos incensados no verão e mandados para a Sibéria no inverno seguinte. O caso mais notório e rumoroso é o de Rodolfo Landim, o ex-braço direito que se tornou desafeto e entrou na Justiça contra Eike pedindo uma indenização de ordem de R$ 500 milhões. Não levou. Mas, se lhe serve de consolo, o episódio ajudou a destampar o caldeirão de cizânias dentro do Grupo EBX e a disseminar a percepção de que, para Eike, as relações vêm com prazo de validade na embalagem. 



O frenético rodízio de executivos no comando das empresas “X”, sobretudo em tempos de revés, reforça o senso de que existe um custo Eike, um tributo irremediavelmente cobrado a todos que convivem diretamente com o empresário. Nos últimos três anos, calcula-se que mais de duas dezenas de integrantes da “guarda pretoriana”, como o próprio Eike costuma chamar seus colaboradores mais próximos, profissionais tenham deixado o grupo. Há casos emblemáticos, como o do presidente da Federação das Indústrias do Estado Rio de Janeiro, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, que ficou apenas 50 dias na vice-presidência da EBX. 

Sem vergonha da prosperidade 

Se os ônus são muitos, por outro lado, para quem topou as regras do jogo, muitos bônus já passaram por debaixo desta ponte. Eike – “um gerador e distribuidor de riquezas”, em outra de suas definições reflexivas – criou um pelotão de milionários em um volume e ritmo talvez sem precedentes na história do capitalismo brasileiro. Com o caixa de suas companhias mais do que reforçado, o empresário lançou mão de uma agressiva política de remuneração. Rodolfo Landim, de novo ele, amealhou cerca de R$ 160 milhões em quatro anos. Muitos, no entanto, acreditam que o feitiço virou contra o feiticeiro. Ao distribuir quantias tão elevadas em períodos demasiadamente cursos, em vez de criar um sistema de retenção de talentos, Eike teria instituído um grande e rentável plano de previdência privada para executivos. Como estimular um atleta que ganhou três Copas do Mundo em um mesmo ano a correr atrás da bola na temporada seguinte? Muitos de seus craques penduraram as chuteiras ou decidiram montar seu próprio time.  
"Mais do que ninguém, me pergunto onde errei. O que deveria ter feito de diferente?"



Ainda assim, Eike Batista talvez soltasse uma gargalhada e uma interjeição jocosa em inglês – uma de suas manias – se questionado sobre a tal provocação de que, em determinados momentos, nem parece ser um empresário. “E não sou mesmo”, diria o próprio, para logo depois emendar desabridas críticas à “vergonha da prosperidade que caracteriza o empresariado nacional”. Em um país no qual a defesa explícita do lucro é um pecadilho e a fortuna, um anátema, Eike foi para o outro extremo. Nunca antes na história deste País alguém fez tanto alarde de sua própria riqueza. Eike expôs publicamente seus ganhos e os de suas empresas. Alardeou seu patrimônio, celebrou publicamente a chegada ao topo entre as maiores fortunas do país e prometeu em alto e bom som que buscaria o cume do ranking internacional. “A questão não é se eu me tornarei o homem mais rico do mundo, mas quando”, dizia, com sua habitual imodéstia.  

Se, neste momento, a promessa soa como fanfarronice em estado puro, durante um certo período o País que chorou a perda do título de Miss Universo pelas duas polegadas a mais de Martha Rocha, como dizia a lenda, parecia mesmo fadado a conquistar este troféu. É como se Eike parafraseasse o Poetinha e dissesse: “Que nos perdoem os pobres, mas riqueza é fundamental”. Rico, como se sabe, o empresário já era, mas nada igual ao que ocorreria a partir de 2001, com a criação da MPX, braço de energia do grupo. Chegamos, então, ao terceiro capítulo de sua epopeia, justamente aquele mais conhecido e esgarçado aos olhos do público.  

Depois da MPX, vieram a MMX, de mineração, a LLX, empresa nascida de um projeto, o chamado Superporto do Açu, a petroleira OGX e a OSX, de construção naval. De certa forma, uma gerada da costela da outra – por que não uma pirâmide corporativa? Nos sucessivos IPOs de suas companhias , Eike Batista captou mais de US$ 10 bilhões. A oferta de ações da OGX foi a maior já realizada na história do mercado brasileiro de capitais brasileiro: US$ 4,1 bilhões. "Sou o cara da economia real, que, mesmo com muitos obstáculos, coloca as coisas de pé"


Ironia ou não, a própria OGX tornou-se o epicentro do fortes abalos sísmicos que têm chacoalhado o Grupo EBX nos últimos meses. O mesmo mercado que ajudou na edificação das empresas “X” hoje trinca os alicerces do conglomerado. Eike prometeu e prometeu muito. Garantiu que, de cada uma de suas companhias, emergiria um portento da economia física. Alardeou cifras e indicadores, acenou com milhares de toneladas de minério e de barris de petróleo, com dezenas de grandes indústrias internacionais na retroárea do Açu, com uma imponente carteira de pedidos à OSX. Escorou-se em corporações alheias na busca pela melhor metáfora para definir seus negócios – a MMX seria a mini-Vale; a OGX, a “Petrobras privada”; a OSX, a “Embraer dos mares”. 

Diante da demora da EBX em transformar expectativa em resultado, o mercado também buscou sua própria alegoria: tem sido a “Lockheed Martin do X”, bombardeando de forma inclemente as ações e, consequentemente, a reputação das empresas de Eike Batista. 

“O horror, o horror...” 

Eike vive seu annus horribilis . Entre janeiro e maio de 2013, o valor de mercado das empresas “X” caiu mais de R$ 15 bilhões. Somente a OGX teve um recuo superior a 50% – desde sua abertura de capital, a depreciação acumulada passa de incríveis 90%. Segundo a precificação das Bolsas, Eike chegou a perder mais de R$ 1,5 bilhão em único dia. “O horror, o horror...”, diria o Coronel Kurtz. 

Os projetos do Grupo EBX não são o colosso alardeado pelo próprio Eike Batista e assim precificados pelas bolsas de valores. Alguns dos ativos foram superestimados, caso das reservas de óleo e gás da OGX. Outros carregam problemas de concepção e execução, como o Superporto do Açu. Pelo que se viu nos últimos meses, Eike terá de mostrar virtudes ainda sub judice . Um dos seus últimos aliados para isso é o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, convocado a socorrer o Império X (e hoje um dos maiores credores da EBX). O objetivo foi elaborar um plano de salvação do grupo, saindo de uma reestruturação para a venda de ativos, de modo a levantar dinheiro para quitar dívidas, tocar alguns projetos e tentar sair do naufrágio iminente. 

Eike Batista apregoa ter o “dom de vender ideias”. E como duvidar dessa frase quando dita por alguém que convenceu investidores de todas as latitudes a aportar mais de US$ 10 bilhões em empresas materializadas apenas sob a forma de power points e maquetes. Agora, no entanto, o empresário precisará convencer o mundo ao seu redor que possui também o dom da gestão. O trader de talento incontestável terá de provar que é capaz de construir em alto-mar e conduzi-lo à terra firme

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