78% dos portadores com menos de 13 anos contraíram HIV da mãe. Forma de falar sobre o vírus interfere no tratamento
É fase de imaginação aflorada. Aos 5 ou 6 anos de idade, as crianças escutam os maiores falarem baixinho e ninguém explica os motivos reais para elas precisarem de tantos remédios e tantas visitas ao médico. As pessoas pedem para não contarem a ninguém sobre suas rotinas, mas não indicam aos pequenos qual é o verdadeiro mistério.
A origem do silêncio está em relações sexuais desprotegidas dos pais, falta de cuidados necessários na gestação e até uso de drogas injetáveis, comportamentos que acabaram fazendo com que as crianças já nascessem com aids. A presença do vírus HIV em pacientes infantis, na verdade, pode esconder muitos segredos dos adultos, coisas que nenhuma mãe deseja contar para seu filho.
Na ânsia de proteger os meninos e meninas destas informações tidas como proibidas para menores de 18 anos, um vazio de informações é perpetuado, afirma Eliana Galano, psicóloga do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT) de São Paulo. “A criança preenche estas lacunas de silêncio, muitas vezes, de forma cruel”, completa ela, que nos últimos 8 anos se debruçou sobre a pesquisa de métodos para revelar o diagnóstico de aids para a faixa etária dos 5 aos 13 anos.
As formas como as crianças decifram todo sigilo sobre suas condições podem ser resumidas pelo comportamento de um paciente de 5 anos atendido por Eliana. O garotinho soropositivo (sem saber) tinha medo de tudo, qualquer toque, som ou contato com outra pessoa. Confidenciou depois de algumas sessões com a psicóloga que sabia que “um monstro morava dentro dele”. “Meu papai e minha mamãe têm muito medo deste monstro porque a qualquer momento ele pode me matar”, dizia.
Esta fantasia assustadora acompanhou o garoto até aquele dia no consultório e desencadeou todas as outras fobias sociais. Este não foi um caso isolado para a especialista e a preocupação sobre como as crianças encaram – ou simplesmente imaginam – serem portadoras do vírus HIV tem crescido em todo Brasil por alguns motivos.
Epidemia heterossexual
Uma das razões é porque a epidemia nacional, hoje em dia, é heterossexual. O número de mulheres na participação total de casos aumentou. De acordo com o Ministério da Saúde, atualmente são dois casos masculinos para um feminino; há quinze anos eram cinco diagnósticos em homens para um em mulher. Junto a esta mudança no perfil da infecção, os remédios e medicamentos mais evoluídos fizeram aumentar a sobrevida dos pacientes.
Jorge Hallal, coordenador de prevenção do Programa Nacional de DST e Aids, acrescenta que esta combinação de fatores – feminilização e melhora do tratamento – fez com que mais mulheres com aids tivessem o desejo de engravidar. Segundo ele, nos últimos dez anos, 47 mil mulheres com aids ficaram grávidas. “Se todos os cuidados não forem tomados durante a gestação, como pré-natal, amamentação e cuidados extras na própria fecundação, o bebê pode ser infectado na hora do parto ou ainda no ventre materno e, assim, já nascer com o vírus”, explica.
Esta forma de transmissão é chamada de vertical. No Estado de São Paulo, 78% dos portadores do vírus com menos de 13 anos contraíram a doença nesta condição. Segundo os especialistas, diante deste quadro, foi preciso criar mecanismos que reduzissem esta forma de contágio – táticas já em andamento no País – e, ao mesmo tempo, nasceu a necessidade de elaborar estratégias menos traumáticas sobre como contar sobre a doença para os “filhos da aids”.
O kit
Em um trabalho envolvendo mais de 400 consultas com pacientes infantis soropositivos, Elaine Galano desenvolveu um Kit lúdico e uma cartilha para orientar outros médicos e profissionais da saúde a falarem sobre aids com as crianças.
Um boneco, quatro soldados, um tabuleiro e aparelhos médicos de brinquedo são usados em uma brincadeira infantil. Se a avaliação comportamental identificar que é o momento de abordar a doença – além da criança estar preparada, é preciso identificar se o paciente sabe guardar segredo – estes instrumentos são usados para contar uma historinha que revela o diagnóstico da aids. A criança é transformada em super-herói que precisa combater o vírus ( leia enredo abaixo ).
Segundo Marliza Silva, diretora de pediatria do CRT/Aids, a forma como se recebe a notícia da doença é crucial na maneira como os meninos e meninas vão se relacionar com o HIV em sua vida futura. “Quando a revelação é feita de uma forma planejada, processual, isso ajuda na adesão aos medicamentos, no entendimento dos possíveis efeitos colaterais e da necessidade de cuidados extras, importantes para o bom quadro clínico da criança”, afirma Mariliza. O contrário, portanto, traz uma série de danos. Pacientes que recebem a notícia do diagnóstico de forma desastrosa, em geral, são os que apresentam os piores indicadores de saúde, depressão e outras manifestações que influenciam negativamente na vivência com o HIV.
Culpa
O trabalho feito com as crianças para apurar qual é o momento certo de revelar o diagnóstico também precisa ser estendido aos pais, em especial as mães, que muitas vezes optam pelo segredo por se sentirem culpadas pela infecção dos filhos. Em alguns casos, o silêncio é alimentado porque a criança infectada na verdade foi adotada. Os pais adotivos não sabem como revelar estas duas condições aos meninos e meninas.
A dica dos especialistas é informar o que é a aids de uma maneira que as crianças entendam, no momento em que o adulto se sentir preparado. “Não é preciso começar esta conversa dizendo, então, a mamãe teve um namorado no passado, transou sem camisinha, ele tinha aids, depois eu usei droga e despejar um monte de outras informações”, orienta Eliana Galano. “Primeiro conte o que é o HIV e vá respondendo de acordo com a demanda que o filho traz depois”, ensina a psicóloga, que em seus oito anos de experiência só assistiu alívio nos adultos que revelaram o diagnóstico aos filhos. “Não vi um só caso de arrependimento”, garante.
Preconceito
Um dos receios ao revelar o HIV aos pacientes infantis é o preconceito que eles podem enfrentar pelo simples fato do diagnóstico. Este tema, da mesma forma, alarma o Ministério da Saúde – que escolheu para este dia 1 de dezembro, Dia Mundial de Combate a Aids, os adolescentes como foco de sua campanha. Mais do que informar a necessidade do uso da camisinha em toda e qualquer relação sexual – segundo os dados oficiais, seis em cada dez jovens entre 15 e 19 anos não se protegem na hora do sexo – a proposta do governo é reafirmar que não é preciso viver escondido, com medo ou vergonha, por causa do HIV.
Uma das estrelas da campanha federal é Amanda Andrade, hoje com 18 anos. Aos nove anos ela contraiu HIV porque ainda tomava o leite da mãe. Moradora de Florianópolis, a jovem perdeu a mãe por causa do HIV mas não desistiu da vida. Ela trabalha, tem namorado e leva uma vida como a de qualquer adolescente. Atualmente nem toma mais antirretrovirais (os medicamentos aintiaids), pois sua carga viral está em níveis estáveis. Amanda aceitou participar da campanha e 2010 e posou para as fotos ao lado do galã global Reynaldo Gianecchini.
Para os pais que quiserem auxílio sobre a melhor forma de falar sobre a aids com os seus filhos é só procurar o centro de referência mais próximo da sua casa. Existem unidades públicas em todo Brasil. Mais informações no 0800-61-1997.
"Está é uma criança que tem um vírus, bem pequenino, que mora no seu sangue e que se chama HIV. Ele é tão pequeno, tão pequeno, que não podemos enxergar, seria necessário um microscópio de verdade para que ele ficasse grande. Se ele pudesse ser visto ficaria mais ou menos assim... Bonitinho, né? (mostrar as bolinhas).
No sangue da criança que tem HIV e no de outras pessoas que não tem o vírus, também moram muitos soldadinhos que defendem o organismo contra doenças (nesse momento é importante saber quais são as doenças e infecções conhecidas pela criança). Esses soldadinhos não deixam que as doenças como tuberculose, pneumonia, dor de ouvido entrem no corpinho da criança.
Sabe o que esse vírus danado faz com os soldadinhos? Ele faz uma bagunça e é tão arteiro que vai deixando os soldadinhos bem fracos até que eles fiquem todos desmaiados. Sem soldadinhos para defender o corpo da criança, as doenças fazem a festa e a criança fica doente...
E sabe como devemos fazer para arrumar essa bagunça que o vírus fez no corpinho da criança? Tomar remédios... Os remédios assustam os vírus, e eles saem correndo e acabam morrendo de medo... Os remédios também acordam os soldadinhos desmaiados e deixam-nos bem fortes de novo. Estando fortes eles voltam a defender a criança de outras doenças...
Esse remédio é muito bom, mata muitos, mas sempre fica um ou outro. Mas é que ainda não tem um remédio que mate todos os vírus HIV... Fica sempre um ou outro escondidinho... Então você tem que deixar seus soldadinhos fortes tomando os remédios, comendo bem, dormindo, brincando bastante e ficando feliz para quando chegar o dia em que os cientistas encontrem um remédio que mate todos os vírus e também este... Danado que ficou escondido!”
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