Fiscais miram em propaganda do cigarro e querem redução de mortes por infarto
Foi logo no primeiro minuto da madrugada de 7 de agosto de 2009 que as duplas de agentes antifumaça entraram em ação no Estado de São Paulo. Na capital paulista, a ofensiva estreante foi no bairro boêmio Vila Madalena, zona oeste.
Os fiscais das blitze tinham o respaldo de uma lei que autorizava a aplicação de multas de R$ 821 ao proprietário do estabelecimento que permitisse a presença fumante do lado de dentro dos recintos. Para ser punido bastavam simples indícios de que o cigarro havia habitado o local - como por exemplo bitucas no chão.
Passado um ano da lei antifumo, os fumantes contrariaram as profecias e não tiveram resistência em fumar fora dos locais de trabalho, dos restaurantes e dos bares escolhidos para o happy hour. O índice de descumprimento da lei não chega a 0,5%, mostram os números oficiais.
Os agentes da Vigilância Sanitária Estadual e do Procon – responsáveis pela fiscalização – realizaram até 31 de julho 360.741 inspeções por todo o Estado (média de 40 por hora) e aplicaram 822 multas, o que representa 0,22% de descumprimento. Na capital, foram 92.065 visitas e 395 multas. No litoral, interior e grande São Paulo foram 268.676 autuações e 427 autuações. Ninguém escapou das multas. Até farmácias e peixarias figuram entre os locais multados.
Por conta da adesão à lei, foram escolhidos novos alvos para as blitze antitabaco. “Não vamos descuidar da fiscalização dos estabelecimentos e vamos continuar com as operações constantes, em especial nos grandes eventos, mas sabemos que é possível dar novos passos”, afirma a coordenadora da Vigilância Sanitária Maria Cristina Megid.
Publicidade
Segundo Maria Cristina Megid, as campanhas publicitárias e as estratégias de marketing sobre o cigarro feitas nas portas de bares e casas noturnas estão na mira da fiscalização. O foco são os modelos que circulam por estes estabelecimentos oferecendo cigarros para degustação – com brindes como nécessaire ou espelho – além dos patrocínios de marcas de cigarro em grandes eventos.
“Hoje já existe uma lei federal que regulamenta a propaganda do tabaco. Estamos em discussão, com a Secretaria Estadual da Justiça, se com esta lei podemos começar as operações ou se precisamos de uma nova legislação mais clara e incisiva sobre o assunto”, diz Megid.
Focar na propaganda é um passo defendido por vários especialistas que lidam com tabagismo. A psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ilana Pinsk, a cardiologista do programa antitabaco do Instituto do Coração (Incor), Tânia Ogawa, e a penumologista do Hospital do Coração Silvia Cury fazem coro ao pedir esta iniciativa como a próxima após a restrição ao fumo em ambientes fechados.
Segundo todas as especialistas, esta é uma estratégia eficiente para garantir que o número de novos fumantes continue em queda, fenômeno já registrado segundo os números do Ministério da Saúde. Em duas décadas, a parcela dos que fumam no País caiu de 35% para atuais 15,6%.
Corações no alvo
Além de fechar o cerco à publicidade do tabaco, outra meta da lei antifumo é diminuir a mortalidade por doenças cardiovasculares no Estado. O objetivo foi traçado inspirado nos exemplos internacionais que adotaram há mais tempo normas restritivas ao cigarro.
Em Paris, na França, por exemplo, o Instituto Nacional de Prevenção concluiu que após um ano de lei antifumo os casos de infarto caíram 15%. Em Nova York, uma pesquisa do Departamento de Saúde Pública atestou que as queixas de problemas respiratórios diminuíram 88%, dados reunidos pela Aliança Contra o Tabagismo (ACT), ONG de atuação internacional contra o cigarro.
A cardiologista do Incor Tânia Ogawa diz que é possível projetar para São Paulo a mesma redução de problemas de saúde, pois os resultados iniciais foram muito promissores. “A poluição ambiental imediatamente melhorou (redução de 73% da concentração de monóxido de carbono, diz a Vigilância). Os dados sobre eventos cardiovasculares ainda estão sendo tabulados e é preciso um pouco mais de tempo para afirmar a redução, mas temos esta expectativa”, acredita a médica.
A tendência em São Paulo é mesmo de queda, mas ainda a pontuação é quase inexpressiva. Levantamento feito pelo iG no DATASUS – banco de dados abastecido com informações de todos os hospitais do País – mostra que entre setembro e dezembro de 2008 (período antes da vigência da lei) foram registrados 6.816 internações por infarto agudo do miocárdio. O número caiu para 6.779 no mesmo período de 2009, já com a legislação antifumo em vigor (queda de 0,5%). Não há comprovação científica de que a redução paulista é mérito da lei. No País, os casos em 2008 passaram de 21.694 registros para 23.331 no ano seguinte, alta de 7,5%.
Outros locais
Apesar da lei antifumo paulista ter sido inspirada em experiências internacionais, ela é considerada rígida para os padrões aplicados no exterior. A reincidência na infração rende em São Paulo multa com valor dobrado e fechamento das portas caso o flagrante se repita pela terceira vez. Ainda assim, com o alto índice de cumprimento, a aposta dos especialistas é de que o cerco ao tabaco seja espalhado para outros Estados.
“O nosso trabalho é para ampliar o alcance da legislação e não ficar restrito só a São Paulo. Queremos que o Brasil todo tenha esta postura”, afirma Paula Johns, diretora executiva da Aliança de Controle ao Tabagismo (ACT). Depois de São Paulo, outros seis locais adotaram normas semelhantes (Rio de Janeiro, Paraná, Amazonas, Brasília, Ceará, Espírito Santo).
“No Rio de Janeiro já percebemos que a aceitação é boa. No Paraná, a experiência também tem sido positiva. Os dados paulistas servem como referência de que a população apoia esta iniciativa”, diz Paula.
No Estado fluminense, a lei antifumo passou a vigorar em novembro do ano passado e as multas podem chegar a R$ 6 mil (mas não há previsão de fechamento das portas em caso de descumprimento). O coordenador da campanha Rio Sem Fumo, o pneumologista Waldir Leopércio, afirma que a aceitação das pessoas também é majoritária e que até o mês passado apenas 23 multas haviam sido aplicadas (outras 18 estavam em andamento).
“Informações preliminares da qualidade do ar mostram que tivemos uma melhora”, afirma Leopércio. “Já tínhamos uma cultura de proibição de fumo nos ambientes fechados por causa da lei municipal e, por isso, tínhamos concentração de poluentes em níveis melhores do que São Paulo. Aqui, antes da lei, eram 3 ppm (parte por milhão) de monóxido de carbono e em SP 4 ppm. Sabemos que hoje para os paulistas a concentração média está em 1 ppm. No Rio, estamos com este nível também.”
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