''O renascimento do parto' estreia nesta sexta-feira (9) em SP, no RJ e DF.
Mães, parteiras, médicos obstetras e especialistas discutem tema no filme.
O aumento no número de cesarianas no Brasil, que já chegam a 52% do total de nascimentos, e os benefícios do parto normal em casa ou no hospital são temas do documentário "O renascimento do parto", de Érica de Paula e Eduardo Chauvet, cuja estreia no país ocorre a partir desta sexta-feira (9).
Entre os especialistas entrevistados, estão a antropóloga americana e ativista do parto natural Robbie Davis-Floyd, o obstetra e cientista francês Michel Odent, a psicóloga Laura Uplinger, a obstetra e professora da Universidade de Brasília (UnB) Maria Esther Vilela, que coordena o Núcleo de Saúde da Mulher e o Programa Rede Cegonha do Ministério da Saúde, a epidemiologista e professora da UnB Daphne Rattner e a enfermeira obstetra Heloisa Lessa.O filme alterna depoimentos de mães, parteiras, médicos obstetras, especialistas e cenas de partos e paisagens, ao som de uma trilha bastante emotiva.
A ideia do documentário, segundo os diretores, é destacar a importância do parto normal – que, como defendem, poderia ser feito em até 90% dos casos, contra 10% de gestações de maior risco – e do trabalho de parto, que "avisa" o bebê sobre seu tempo de maturidade e libera um coquetel de hormônios, como oxitocina ("do amor"), prolactina, endorfina e adrenalina, para ajudar mãe e filho nesse processo.
Além disso, o filme aponta os diversos motivos que teriam levado a um excesso de indicações de cesarianas, além de abordar a não necessidade de tantas intervenções no bebê logo após o nascimento, a frequente falta de contato imediato dos filhos com as mães, nos dois tipos de partos, e o aumento de crianças prematuras ou com complicações (principalmente respiratórias) que demandam uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal depois de uma cesárea, ligadas ao fato de que o bebê ainda não estava "pronto" para nascer.
É citado, ainda, um aumento no número de mortes de bebês e mães, por hemorragias ou infecções, decorrentes das cesarianas. Segundo os especialistas ouvidos, com as cesáreas, os óbitos maternos costumam cair até um nível em que se chega a um platô, para então voltarem a subir – o que eles chamam de "efeito U".
De acordo com Érica de Paula, que fez a pesquisa e o roteiro do documentário, ele não mostra o "outro lado", das vantagens da cesariana, porque "a visão contrária é o que a gente vê 24 horas por dia, sete dias por semana. Os 90 minutos que tínhamos para fazer o filme foram usados justamente para mostrar esse outro lado".
Cesáreas 'limitadas' a 15%
Segundo a obstetriz (profissional da saúde que atua em partos) Ana Cristina Duarte, que participou do documentário, "o que se calcula é que não mais do que 15% das mulheres têm problemas de saúde ou da dinâmica do parto que necessite algum tipo de intervenção". A questão, de acordo com ela e outros especialistas, é que os casos complicados são muito marcantes.
Essa também é a porcentagem recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o limite máximo ideal de cesarianas em cada país. Mas em hospitais privados do Brasil, por exemplo, o número de cirurgias desse tipo chega a 90%, principalmente nas regiões Sul e Sudeste – o que vem sendo chamado por especialistas de "epidemia oculta" entre as classes sociais mais altas.
"Não é possível que quase 100% das mulheres tenham defeitos e não possam ter bebês de forma natural. Nossos corpos não foram feitos para isso?", pergunta Ana Cristina.
A obstetra Fernanda Macedo, outra entrevistada de "O renascimento do parto", acrescenta: "A cesariana é uma cirurgia maravilhosa, que salva vidas todos os dias, mas ela não é para ser feita em todas as pacientes, de uma maneira desnecessária, fora do trabalho de parto. Quando mal indicada, põe o bebê em três vezes mais risco que o normal. (...) Hoje em dia, o parto no Brasil passou a ser um ato cirúrgico, em vez de um evento fisiológico".
Fernanda avalia ainda que as pacientes têm "todo aquele ranço cultural de achar que o parto cesáreo é mais controlado, menos arriscado, que não tem risco nenhum, que o bebê dele vai ser salvo. (...) O médico, por sua vez, apesar de ter aprendido que o parto normal é seguro, que é bom para mãe e para o bebê, acaba acreditando um pouco nessa falsa verdade de que o parto cesáreo é mais seguro".
Para o obstetra Paulo Nicolau, que não participou do filme, mas compareceu à pré-estreia em São Paulo na segunda-feira (5), muitas pacientes acham "chique" fazer cesariana e logo pedem para o médico.
"O segundo problema é que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não regula essa situação, e o médico recebe cerca de R$ 200, R$ 300 por parto. O terceiro ponto é que, se der algum problema na criança – como paralisia –, e o caso for parar na Justiça, a primeira coisa que o juiz vai perguntar é por que o médico não fez uma cesariana", enumera Nicolau. Segundo ele, os médicos atualmente estão desaprendendo a fazer parto normal, e a maioria já não sabe – o que, no futuro, segundo ele, poderia levar as mulheres a pagarem se quiserem realmente ter parto normal.
No filme, a obstetra Melania Amorim afirma que, "quando se entrevistam mulheres no pós-parto, elas muitas vezes acreditam que houve uma indicação real de cesariana. (Mas) Quando se entrevistam os médicos, eles vão atribuir a culpa da cesariana a uma decisão da mulher".
'Motivos' para o parto não ser vaginal
De acordo com a obstetriz Ana Cristina Duarte, quase tudo hoje em dia se tornou motivo para recomendar cesárea, muitas vezes sem necessidade.
"São dezenas de motivos: pressão alta, cordão umbilical enrolado no pescoço, falta de dilatação, bebê grande ou pequeno demais, mãe velha (acima de 30 ou 35 anos) ou jovem demais, gorda ou magra demais, sedentária, diabética. Também dizem que o parto normal dói muito e que a mulher pode ficar larga", diz Ana Cristina.
Segundo o obstetra Ricardo Chaves, muitas cesáreas são feitas por conveniência médica – já que são agendadas com antecedência e duram de 15 a 20 minutos, o que permite ao profissional voltar para o consultório, em vez de passar até 12 horas acompanhando um trabalho de parto.
"A gente tem muito mais internações em UTIs nas vésperas de grandes feriados, (...) porque evidentemente (os médicos) querem passar o feriado sem o susto de terem que sair de casa para atender um parto. Mas isso faz parte da nossa escolha", diz Chaves.
A obstetra Fernanda Macedo complementa: "O valor que o plano paga não compensa você desmarcar um consultório inteiro. Você ganha mais numa tarde em consultório do que num parto. O plano de saúde, os hospitais não têm interesse na gestante de parto normal".
'Cabeça moderna atrapalha'
Na opinião da antropóloga e parteira mexicana Naoli Vinaver, que também fala no filme, "a cabeça da mulher moderna atrapalha muito", pois muitas delas são inseguras e se acham incapazes de dar à luz sozinhas.
Segundo a obstetriz Ana Cristina Duarte, a maioria das mães diz no início da gravidez que quer parto normal, mas muda de opinião ao longo do pré-natal. "Minam a coragem da mulher", acredita.
A pediatra e neonatologista Ana Paula Caldas, que participou de um debate sobre o documentário após a pré-estreia na capital paulista, destacou que "a mulher precisa confiar no próprio corpo e no poder que tem. Não somos frágeis e incapazes".
Para ela, ter um médico na sala de parto é o mesmo que ter um pediatra como baby-sitter. "É uma formação muito cara para atender a uma coisa tão básica, que é o parto. O caminho é tirar isso da mão do médico e deixar para as parteiras e obstetrizes", avalia.
Uma das mães que deram depoimento no filme é a nutricionista Andréa Santa Rosa Garcia, mulher do ator Márcio Garcia – que têm três filhos: o primeiro nascido por cesárea, a segunda por parto normal no hospital e o terceiro também natural, mas em casa.
"É muito legal você encarar a gestação não como um estado de alerta, de preocupação, de que pode dar alguma coisa errada, e sim 'Olha que bacana, ela está gerando uma vida, é uma grávida linda, olha que legal, que bênção'", diz Andréa no filme.
Ela também participou do programa Encontro com Fátima Bernardes desta quarta-feira (7), quando lembrou de sua segunda experiência como mãe. Ao engravidar de Nina, ela quis ter parto normal, mas sua médica disse que "uma vez cesárea, sempre cesárea".
"Eu olhei para ela, tomei um susto e falei: 'Ué, mas eu não vou poder passar por essa experiência?' Ela não levou em consideração que eu sou jovem, saudável, me alimento bem, faço atividade física, ioga, me preparo, respiração, tudo isso. Então tive que ir para São Paulo fazer o parto normal", contou no Encontro.
Para a enfermeira obstetra Heloisa Lessa, "nosso modelo de parto ainda é baseado na doença. Ou a mulher tem pressão muito alta, muito baixa, engordou muito, pouco. É muito difícil uma mulher sair de uma consulta pré-natal dizendo 'Eu estou ótima, estou feliz, está tudo bem'".
A roteirista Érica de Paula compara o parto normal a escalar uma montanha, e o pré-natal ao preparo da mochila. "Se você tem cãibra, para, respira. Aí pensa: se já chegou até aí, você transcende, supera o limite, dá conta. É diferente do que ir de helicóptero para ver a vista, você a alcançou", diz.
Interação mãe-filho e ritualização
O documentário também aborda questões como a importância de um contato íntimo entre a mãe e o bebê assim que ele nasce, em vez de a criança ser levada primeiro para fazer procedimentos médicos que poderiam esperar um pouco, na visão dos especialistas entrevistados. Além disso, eles acreditam que intervir demais pode trazer mais problemas do que soluções.
"Geralmente, não é para fazer nada com o bebê, são cacoetes de procedimentos, uma esteira de linha de produção. A criança não precisa ser pesada na hora, não vai diminuir ou aumentar de tamanho nas próximas duas horas. O bebê precisa de vínculo, tem muita oxitocina e precisa se apaixonar pela mãe – e vice-versa", analisou a pediatra e neonatologista Ana Paula Caldas após a pré-estreia.
A ginecologista e obstetra Carla Andreucci, que também falou no debate em São Paulo, acredita que há um manejo excessivo dos bebês, com colírio nos olhos, antisséptico nos genitais, aspiração no nariz e sonda retal – em vez de esperar a primeira evacuação para ver se está tudo bem com a criança. "A ausculta do coração, (a verificação) dos sinais vitais, tudo isso pode ser feito no colo da mãe", diz.
Parto em casa
O documentário trata, ainda, da vontade de muitas mulheres terem parto normal longe do ambiente hospitalar. Segundo o filme, 1% dos partos realizados atualmente no Brasil ocorre em casa. E os especialistas ouvidos reforçam que esses casos devem ser gestações de baixo risco e que, ao desconfiar de algum problema, a paciente precisa ser encaminhada para um hospital.
"O lugar mais adequado para a mulher ter seu filho é, segundo a OMS, onde ela se sente segura. Para muitas mulheres, o lugar mais seguro é a sua casa; para outras, é uma casa de parto; e para outras vai continuar sendo o hospital. E todas elas têm que ser contempladas pelo nosso sistema de saúde", avalia o obstetra Ricardo Jones.
Segundo a antropóloga Robbie Davis-Floyd, 20% dos partos na Holanda em 2011 foram domiciliares, e a taxa de cesarianas no país é de 15%.
"Em todo o mundo, o ideal seriam as parteiras profissionais atenderem de 70% a 80% dos partos, e obstetras, de 20% a 30%", afirma Robbie.
A OMS considera habilitados para assistência ao parto os médicos obstetras, os médicos da família, as enfermeiras obstetras e as parteiras formadas ou obstetrizes, enumera a obstetra Melania Amorim.
Possíveis soluções
Para Érica de Paula, que realizou o filme ao lado do marido, Eduardo Chauvet, e atua como doula (assistente de parto) desde 2009, é difícil falar em uma única solução para o problema do excesso de cesarianas e da falta de humanização nos nascimentos, pois ele tem muitas causas.
"As mulheres precisam se informar mais, aumentar a demanda pelo parto normal; os profissionais devem ter uma visão mais fisiológica do processo, e o governo e as agências reguladoras têm que fazer pressão para que haja indicações reais de cesariana", diz Érica.
A ginecologista e obstetra Carla Andreucci acrescenta: "A mudança das mulheres é mais fácil do que mudar os profissionais, que já estão inseridos no mercado".
Cidades de estreia
"O renascimento do parto" estreia nesta sexta-feira (9) em São Paulo, Sorocaba, Campinas, Indaiatuba, Brasília e Rio de Janeiro. No dia 16, o filme será lançado em Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba; e no dia 23 começará a ser exibido em Belo Horizonte, João Pessoa e Salvador.
Segundo o diretor Eduardo Chauvet, o documentário teve orçamento de R$ 142 mil, com recursos de crowdfunding (financiamento coletivo), e foi selecionado para festivais de cinema da Colômbia, do México, dos EUA e da China. A ideia agora é distribuir milhares de cópias em DVD para centros de saúde e criar uma série de TV com episódios de 30 minutos
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